O Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou entendimento de que contratos de mútuo eletrônicos assinados por meio da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) têm eficácia de título executivo, dispensada a necessidade de assinatura por duas testemunhas. O acórdão foi obtido no julgamento do Recurso Especial no 1.495.920/DF, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em 15 de maio de 2018.
Um contrato eletrônico nada mais é do que um contrato em que as declarações de vontade das partes se expressam por meio da transmissão eletrônica de dados. Não se trata, portanto, de uma nova espécie de contrato, mas apenas de um novo meio pelo qual as declarações de vontade das partes se manifestam. Tal conceito de contrato eletrônico abrange desde o contrato firmado remotamente pelas partes por meio eletrônico até os chamados smart contracts, escritos como um código em linguagem de programação e executados em um computador para reduzir custos de transação das partes contratantes.
Conforme determina o Código de Processo Civil (CPC), o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas é considerado um título executivo, não havendo, contudo, qualquer previsão quanto à dispensa das testemunhas no caso de contratos eletrônicos assinados digitalmente.
A Medida Provisória no 2.200/01 criou a ICP-Brasil “para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras”. A MP prevê que as declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários. A medida não previu, contudo, a eficácia executiva de contratos assinados por meio da ICP-Brasil.
Apesar da ausência de uma previsão legal expressa quanto à executoriedade de contratos assinados por meio da ICP-Brasil, o argumento central formulado no recurso especial é o de que, apesar de o CPC não mencionar o contrato eletrônico assinado digitalmente pela ICP-Brasil como título executivo, ele deve ser assim considerado por ser reiteradamente celebrado nos dias atuais, por corporificar obrigação de pagar líquida, certa e exigível e, especialmente, por que a certificação pela ICP-Brasil teria função análoga à da assinatura do contrato pelas testemunhas.
Tal decisão vem ao encontro dos anseios dos players que atuam no mercado de crédito digital, uma vez que, considerados os custos da ICP-Brasil, a assinatura por duas testemunhas em contratos eletrônicos de empréstimo a fim de conferir eficácia executiva a esses documentos representa um entrave significativo para tais operações (sobretudo no varejo). É importante destacar, no entanto, que o entendimento estabelecido no acórdão ainda não foi reiterado pelo STJ, além de ter contado com uma divergência entre os ministros (apresentada no voto vencido do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva no sentido de não admitir o contrato de mútuo assinado por meio da ICP-Brasil como título executivo).
Assim, ainda que a decisão esteja alinhada com as expectativas do mercado (sobretudo com a recente regulamentação das fintechs de crédito), ela não contorna a necessidade de uma regulamentação específica que aborde os instrumentos necessários para a realização de operações de crédito por meio eletrônico, a fim de definir parâmetros que confiram segurança jurídica e promovam o crescimento e desenvolvimento de tais operações.