Em 2009, o mundo acompanhou com perplexidade o desaparecimento do voo 447 da Air France, que saiu do Rio de Janeiro rumo a Paris. Após anos de buscas e investigações, uma série de fatores foi apontada como responsável pela queda do avião, que vitimou 228 pessoas. A série “Rio-Paris – A tragédia do voo 447”, recém-lançada, retrata esse processo de apuração, que seguiu um protocolo rigoroso e regulamentado, típico do setor de aviação, com o objetivo de esclarecer as causas do acidente e evitar que ele se repetisse.

Assim como na aviação, o Poder Legislativo também dispõe de um mecanismo específico para investigar fatos de relevante interesse público, que podem envolver desde irregularidades na Administração Pública até crimes contra a ordem econômica e social. Trata-se da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Mas afinal, o que é uma CPI?

Sempre que surgem denúncias de irregularidades com grande impacto nacional, rapidamente se discute a possibilidade de formação de uma CPI. Isso acontece porque a CPI é uma ferramenta que permite ao Parlamento exercer a função de apuração de fatos, com viés fiscalizatório e poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.

Além disso, a CPI é um instrumento político fundamental para fortalecer o controle parlamentar no âmbito intraestatal, especialmente com relação ao mecanismo de freios e contrapesos estabelecido no sistema federativo.

Presente em praticamente todos os estados democráticos de direito mundo afora, as CPIs tiveram fortalecimento no Brasil com a Constituição de 1988 (CF), que concedeu a elas poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. A CF autorizou o encaminhamento das conclusões das CPIs diretamente ao Ministério Público, para apuração da responsabilidade civil ou criminal relacionada aos fatos investigados.

Os legislativos estaduais e municipais, por meio das constituições dos estados ou das leis orgânicas dos municípios, em geral preveem a criação de CPIs como instrumento de investigação relacionado à função de fiscalização e controle da Administração Pública.

Além desses diplomas, a Lei 1.579/52 regulamenta o funcionamento dessas comissões, em conjunto com os regimentos internos das respectivas casas legislativas. Nesse cenário, seja em âmbito federal, estadual ou municipal, fatos que envolvam o interesse público e sobre os quais pairam suspeitas de irregularidades de qualquer ordem podem se tornar objeto de uma CPI.

Impactos de uma CPI nos negócios

No exercício de suas atribuições, o Poder Legislativo não pode agir de forma incondicionada. Especificamente em relação ao funcionamento das CPIs, o principal condicionamento – ao lado do limite temporal – é a exigência da especificação do fato determinado a ser investigado: um “acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do País”.[1]

Os limites investigativos de uma CPI, portanto, podem ser muito amplos. Qualquer empresa ou pessoa que tenha tido relação com o objeto de investigação na época do fato, ainda que mínimo, pode se ver envolvida nas investigações. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, os atos praticados na esfera privada “não são imunes à investigação parlamentar, desde que evidenciada a presença de interesse público potencial em tal proceder”, pois “o que deve ser perquirido, ..., é a existência potencial de interesse público no objeto de investigação, sob a perspectiva das competências, no caso concreto, do Senado Federal.”[2]

Em outras palavras: ninguém está imune. Os negócios privados, quando têm repercussões no interesse coletivo, estão sujeitos à fiscalização do Parlamento e, portanto, ao alcance de uma CPI.

Assim, embora uma CPI tenha que atuar dentro dos limites estabelecidos pela legislação, percebe-se a importância que ela pode assumir, principalmente em relação à empresa investigada e aos seus executivos, já que sempre desencadeia uma série de desafios operacionais e legais para os investigados.

Como instrumento do Poder Legislativo, as CPIs têm amplos poderes de investigação, equiparados aos das autoridades judiciais. Elas podem determinar diligências, tomar depoimentos e inquirir testemunhas, requisitar informações e documentos, deslocar-se a qualquer ponto do país para realizar investigações e audiências públicas, determinar a quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático, requisitar serviços de autoridades, inclusive policiais, entre outros.

Assim, ao se tornarem alvo de uma CPI, as empresas e seus executivos não apenas têm a obrigação de cumprir todas as demandas de informação, mas também precisam lidar com uma pressão jurídica considerável, enfrentando processos e investigações adicionais que colocam em risco suas operações e parcerias comerciais.

Além disso, é preciso gerenciar as informações que influenciam a opinião pública sobre os investigados. A exposição intensa e o foco da mídia nas práticas da empresa durante uma CPI podem resultar em danos severos a sua reputação e afetar a confiança de clientes, parceiros e investidores. Podem, ainda, ocasionar perdas financeiras substanciais, com a desvalorização de suas ações e a retração de negócios devido à incerteza gerada pelas investigações.

Como lidar?

A necessidade de adaptar rapidamente as estratégias de gestão de crise se torna essencial para mitigar os danos aos envolvidos, manter a integridade e garantir a continuidade das operações em meio a um ambiente de intensa fiscalização pública e regulatória.

Diante dos riscos associados a uma investigação parlamentar, é essencial que as empresas adotem estratégias eficazes para mitigar seus impactos, tais como:

  • Respostas estratégicas, adequadas e assertivas sobre os fatos apurados: é fundamental para demonstrar transparência e cooperação durante o processo investigativo e garantir que o procedimento ocorra dentro dos parâmetros legais.
  • Comunicação proativa com foco em gestão de crise: uma postura transparente e proativa tanto interna quanto externamente, ajuda a mitigar os danos à reputação e a gerenciar os impactos da investigação de maneira eficaz.
  • Fortalecimento da governança corporativa e compliance: é essencial para garantir que a empresa esteja preparada para enfrentar uma investigação e prevenir futuras irregularidades.
  • Busca por soluções negociadas com as autoridades: em determinadas situações, essa pode ser uma estratégia viável para minimizar os riscos e as penalidades associadas à investigação.

As CPIs são ferramentas essenciais para a fiscalização e o controle do poder público. Elas, porém, apresentam desafios que podem comprometer a sustentabilidade das empresas envolvidas. Contudo, com uma abordagem estratégica e o apoio de um corpo jurídico preparado, é possível enfrentar as complexidades de uma CPI e proteger os interesses da empresa.

Este artigo faz parte de uma dedicada à gestão de crises, na qual exploramos as melhores práticas e estratégias para empresas em cenários de alta pressão e exposição pública. Para mais informações e assistência, entre em contato com o Machado Meyer.

 


[1] Como dispõe o parágrafo 1º do artigo 35 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

[2] STF: MS 33751/DF.