O Poder Executivo federal publicou em 18 de maio o Decreto nº 10.350, que regulamenta a Medida Provisória nº 950/20 e dispõe sobre a criação da conta destinada ao setor elétrico para enfrentar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6/2020, chamada Conta-Covid.
O novo decreto busca mitigar os impactos de caixa sofridos pelas concessionárias de distribuição em decorrência da queda do consumo de energia elétrica e aumento da inadimplência pela pandemia da covid-19. Segundo o artigo 1º do decreto, a Conta-Covid receberá recursos oriundos da contratação de operações de crédito com instituições financeiras. O objetivo é cobrir déficits ou antecipar receitas às concessionárias de distribuição de energia.
A Conta-Covid deverá aliviar os efeitos causados pela sobrecontratação de energia e garantir a neutralidade dos encargos setoriais para as distribuidoras, entre outros reflexos. Segundo o parágrafo primeiro do artigo 1º, caberá à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) contratar as operações de crédito destinadas à cobertura da Conta-Covid, aproveitando a vantagem de um custo menor de operação, já que a taxa Selic está hoje próxima a 3%, em comparação com 11% na época de criação da conta ACR, em decorrência da crise do setor elétrico de 2014.
Para receber os recursos da Conta-Covid, as distribuidoras terão de aceitar expressamente, em caráter irrevogável e irretratável, determinadas condições, como:
- a vedação de requerimentos de suspensão ou redução dos volumes de energia elétrica adquiridos por contratos de compra e venda de energia elétrica até dezembro de 2020;
- a limitação, em caso de inadimplemento intrassetorial, da distribuição de dividendos e dos pagamentos de juros sobre capital próprio ao percentual mínimo legal de 25% do lucro líquido;
- a possibilidade de ressarcimento, pelas distribuidoras, dos custos administrativos e financeiros incorridos nas operações de crédito e suportados pelos consumidores, observados determinados requisitos; e
- a renúncia ao direito de discussão, em âmbito judicial ou arbitral, dessas condições de aceitação.
Não se sabe se todas as distribuidoras aceitarão essas condições para receber os recursos da conta, principalmente porque algumas delas geram discussões no setor, como a limitação da distribuição de dividendos e dos pagamentos de juros sobre capital próprio ao percentual mínimo legal de 25% do lucro líquido.
Os custos das operações financeiras contratadas serão repassados integralmente à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e pagos pelos consumidores. Aqueles que migrarem para o mercado livre durante a vigência do financiamento não ficarão isentos do pagamento do empréstimo.
O decreto também prevê a possibilidade de negociação bilateral entre distribuidoras e consumidores do Grupo A, ao mencionar, no artigo 3º, §3º, inciso IV, que os valores a serem pagos pela Conta-Covid às distribuidoras serão homologados pela Aneel e considerarão, entre outros fatores, eventual diferimento e parcelamento, por parte das distribuidoras, de obrigações vencidas e vincendas relativas ao faturamento da demanda contratada para unidades consumidoras do grupo A.
Essa possibilidade está em linha com o Despacho nº 1.406, de 19 de maio de 2020, que, no âmbito do Processo Administrativo nº 48500.001841/2020-81, movido pelos consumidores do Grupo A, permite que as distribuidoras promovam a livre negociação sobre o diferimento e o parcelamento dos valores referentes ao faturamento da demanda contratada acima da demanda medida, nos termos da regulamentação vigente.
Apesar de ainda estar sujeito a regulamentação da Aneel, o decreto vem enfrentando oposição, como a do Projeto de Decreto Legislativo nº 231/20, protocolado pelo deputado federal José Guimarães (PT-CE). O parlamentar pretende sustar os efeitos do decreto do Executivo sob a alegação de que não há estipulação de valor máximo aos empréstimos, o que significaria um cheque em branco à Aneel.
Ainda que alguns de seus pontos sejam controversos, o Decreto nº 10.350/20 configura medida emergencial importante para o setor elétrico, pois, na medida do possível, preserva o fluxo de pagamentos de toda a cadeia do setor. Não se trata, portanto, de solução definitiva ao problema, razão pela qual menciona que a Aneel poderá avaliar a necessidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão e permissão do serviço público de distribuição de energia elétrica, mediante solicitação fundamentada do interessado.