A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reviu sua oposição e reconheceu a legitimidade da Câmara de Comercialização e Energia Elétrica (CCEE) para aplicar e cobrar penalidades aos seus associados em caso de descumprimento das regras convencionadas para o mercado de comercialização de energia elétrica.

A decisão foi tomada no julgamento dos embargos de declaração opostos no Recurso Especial 1.950.332/RJ. Na mesma decisão, definiu-se que a data da notificação extrajudicial deve ser considerada como termo inicial para a incidência dos juros de mora.

Em outubro de 2023, a 1ª Turma entendeu que a CCEE não teria legitimidade para aplicar e cobrar as penalidades mencionadas, já que, em geral, o poder de polícia não pode ser delegado a particulares. De acordo com o entendimento, mesmo que fosse possível, exigiria uma previsão clara e direta na Constituição Federal ou na legislação ordinária.

Diante  disso, o colegiado deu provimento ao recurso de determinada termelétrica e julgou improcedente a ação de cobrança ajuizada pela CCEE para exigir o pagamento de penalidades decorrentes do não cumprimento de obrigações assumidas no contrato de comercialização de energia elétrica no âmbito do mercado regulado (CCEAR) – confira nosso artigo sobre o assunto neste link.

A CCEE opôs embargos de declaração, argumentando que a 1ª Turma não considerou os seguintes fundamentos no julgamento do recurso especial:

  • a CCEE é uma associação civil, cuja competência para aplicação de penalidades está restrita aos seus associados, caracterizando-se como uma forma de autorregulação privada;
  • impedir a CCEE de exercer uma de suas funções implicaria afronta ao arcabouço legal que regulamenta o mercado de comercialização de energia elétrica e ao princípio da segurança jurídica, especialmente pelo fato de que os agentes associados têm conhecimento e aceitam as regras de autorregulação; e
  • parte dos valores cobrados pela CCEE não se referem a penalidades, mas também a contribuições associativas que pertencem à própria entidade.

Em julgamento realizado no dia 20 de março deste ano, a 1ª Turma, por maioria, acolheu os embargos de declaração mencionados e reconheceu que o assunto não deveria ser julgado apenas sob o prisma da possibilidade de delegação ao particular do poder de polícia e que houve omissão sobre a autorregulação privada.

Ao reexaminar o caso, o relator, ministro Gurgel de Faria, adotou solução oposta e acolheu a pretensão da CCEE. O ministro reconheceu legitimidade da CCEE de aplicar e cobrar penalidades impostas aos seus associados, já que:

  • a CCEE não impõe penalidades de natureza essencialmente pública ou decorrente de autoridade estatal – o que exigiria previsão expressa na lei ou na Constituição Federal. Em vez disso, aplica sanções como uma associação privada em regime de autorregulação para promover a organização e o funcionamento do mercado de energia elétrica em relação aos agentes econômicos vinculados ou associados a ela;

A termelétrica envolvida no caso apresentou embargos de declaração sustentando a existência de nulidades no acórdão, os quais aguardam análise pela 1ª Turma. 

Embora não se trate de precedente submetido ao rito dos recursos repetitivos e seja passível de revisão nos embargos de declaração mencionados ou em novos recursos, o entendimento da 1ª Turma é extremamente relevante para o setor de energia elétrica.

Isso porque esclarece a responsabilidade, a função e a atribuição desempenhada pela CCEE, o que resulta em maior segurança jurídica para todos os agentes do mercado de energia elétrica.

A decisão tomada pelo STJ é um importante precedente sobre a legalidade do regime jurídico da autorregulação, até então pouco prestigiado pelo Poder Judiciário, especialmente em setores marcados pela forte regulamentação e fiscalização estatal.