No julgamento do Tema Repetitivo 1.203, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou sua posição de que o seguro garantia e a carta fiança suspendem a exigibilidade dos créditos não tributários. Foi fixada a seguinte tese:

  • "O oferecimento de fiança bancária ou de seguro garantia, desde que corresponda ao valor atualizado do débito, acrescido de 30% (trinta por cento), tem o efeito de suspender a exigibilidade do crédito não tributário, não podendo o credor rejeitá-lo, salvo se demonstrar insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da garantia oferecida."

A decisão era esperada pois reflete a jurisprudência de ambas as Turmas de Direito Público – que compõem a 1ª Seção – de que, em se tratando de crédito não tributário, as garantias devem observar o regramento previsto no artigo 835 do Código de Processo Civil (CPC). Não é aplicável, nessa hipótese, a interpretação restritiva do artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN) feita pelo STJ de que somente o depósito em dinheiro suspende a exigibilidade do crédito tributário.

A grata surpresa no julgamento do Tema Repetitivo 1.203 deve-se ao fato de que a 1ª Seção superou o entendimento, até então consolidado nas Turmas de Direito Público,[1] de que a apólice de seguro garantia com prazo de validade não era idônea para fins de garantia do juízo. Alinhando-se à posição das Turmas de Direito Privado –[2] que integram a 2ª Seção –, a 1ª Seção decidiu que:

  • a idoneidade da garantia deve ser aferida com base na conformidade de suas cláusulas com as normas expedidas pelas autoridades competentes, não podendo a simples estipulação de um prazo de validade determinado, por si só, ensejar sua inidoneidade; e
  • as garantias com prazo determinado e sem cláusula de renovação automática ou outra disposição que assegure a manutenção da cobertura são idôneas, desde que o devedor apresente nova garantia suficiente com, no mínimo, 60 dias de antecedência ao vencimento.

A justificativa adotada até então pelas Turmas de Direito Público era que, se há prazo de validade e não há como se prever até quando o processo perdurará, essa modalidade de garantia não teria eficácia para assegurar o cumprimento da obrigação à qual está vinculada. Tal entendimento era objeto de críticas, entre outros fatores, por não considerar que:

  • o artigo 760 do Código de Civil estabelece como requisito de validade da apólice a indicação de prazo de vigência;
  • as apólices passaram a prever cláusula de renovação compulsória automática de sua validade, com redação que assegura a sua eficácia enquanto o risco coberto existir, trazendo, inclusive, disposição de que a ausência de pagamento pelo segurado do prêmio correspondente à renovação da apólice configura sinistro, o que gera para a seguradora a obrigação de realizar o depósito do valor acobertado em juízo;
  • a Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão responsável pela supervisão e regulamentação do mercado de seguros brasileiro, não deixa dúvidas sobre a compulsoriedade e a automaticidade da renovação das apólices de seguro garantia judicial, o que assegura a manutenção da cobertura enquanto subsistir o risco garantido, como previsto na Circular Susep 477/13 e na Circular Susep 622/22;
  • a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) aceita, como garantia, o oferecimento de apólices de seguro garantia judicial com prazo determinado – de acordo com a Portaria PGFN 164/14, posteriormente revogada pela Portaria PGFN 2.044/24, que estendeu o prazo mínimo de vigência da apólice de dois anos para cinco anos, a fim de se adequar às regras impostas pela Susep e à Lei 14.689/23.

Percebe-se, assim, que a decisão adotada no Tema Repetitivo 1.203 não apenas uniformiza o entendimento do STJ sobre a matéria, como se mostra coerente com a legislação aplicável e o panorama regulatório, gerando maior previsibilidade e segurança jurídica para os jurisdicionados e para o mercado securitário.

Outro ponto que merece destaque e pode pacificar discussões antigas é que a 1ª Seção estabeleceu os limites para a rejeição da garantia ofertada pelo credor – insuficiência, vício formal ou inidoneidade da garantia –, cuja manifestação deve ser fundamentada e tem caráter opinativo e não vinculante, já que compete ao juiz decidir sobre a validade da garantia.

Estabeleceu ainda que a previsão da necessidade dessa anuência se dá em respeito ao contraditório e não significa que ela possa ser arbitrária ou discricionária. Além disso, de acordo com a 1ª Seção, a definição de critérios por meio de portarias internas orientam a própria Administração Pública. O cumprimento desses critérios pode implicar aceitação automática da garantia, mas não vinculam a convicção do juiz.

Esse entendimento é relevante, pois, como bem exposto pelo ministro Paulo Sérgio Domingues em seu voto-vogal, acolhido pelo relator, "na prática, muitos juízes indeferem o aceite dessas garantias ou, ainda, a substituição da penhora requerida pelo executado, conforme prevê o art. 15, II, da Lei 6.830/1980, com base na discordância da Fazenda", União ou outro ente público.

Desse modo, em linha com a evolução legislativa e regulatória, o STJ reafirma seu entendimento de que o seguro garantia e a fiança bancária são modalidades idôneas de garantia do débito – tributário ou não. Se verificada a regularidade da apólice, portanto, não há impedimento à sua aceitação como forma de garantia do juízo.

Em se tratando de crédito não tributário, reconhece-se, ainda, a suspensão da exigibilidade em caso de oferta de seguro ou fiança, desde que acrescido de 30% do valor exigido.

Prestigia-se, dessa forma, os princípios da menor onerosidade do devedor, que não terá que dispor de valores que poderão comprometer seu fluxo de caixa, e da máxima eficácia da execução para o credor, já que essas garantias produzem os mesmos efeitos jurídicos que o depósito em dinheiro, garantindo segurança e liquidez.

Por se tratar de decisão tomada sob o rito dos recursos repetitivos, os tribunais deverão observar esse entendimento em situações análogas, o que evidencia a importância da decisão tomada pelo STJ no Tema Repetitivo 1.203, conferindo maior previsibilidade e segurança jurídica aos jurisdicionados que decidirem oferecer como garantia o seguro ou a fiança.


[1] (AgInt no REsp 2.021.938/RS, relator ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe de 11/11/2022); e (AgInt nos EDcl no AREsp 1.017.788/RJ, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, DJe de 20/10/2020)

[2] (REsp 1.838.837/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe de 21/5/2020); (TutCautAnt 672/SP, relator ministro Raul Araújo, 4ª Turma, DJe de 30/9/2024); (REsp 1.691.748/PR, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe de 17/11/2017) e (REsp 2.025.363/GO, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe de 10/10/2022)