A redução de emissões de gases de efeito estufa ocupa um lugar de destaque na agenda ambiental global desde a assinatura da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima durante a Rio-92. Naquele evento, realizado no Rio de Janeiro, os países participantes do encontro se comprometeram a estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa (GEE), em um esforço para reduzir as emissões desses gases.
Mais de 30 anos depois, o Brasil sedia outra vez esse encontro das Nações Unidas, dessa vez em Belém, no Pará, onde acontece, em novembro, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30). Durante o evento, questões relacionadas às emissões de GEE voltarão a ser tema de debate, entre elas um tipo de iniciativa em que o Brasil se destaca: a litigância climática. Trata-se de um mecanismo jurídico que busca responsabilizar governos e instituições privadas por suas contribuições insuficientes diante das mudanças climáticas.
Para entender melhor o assunto, é preciso voltar a 2015, quando ocorreu a COP 21 e se firmou o Acordo de Paris. Por meio desse tratado, governos se comprometeram a definir, de forma voluntária, suas próprias metas de redução de emissões, como parte do esforço global para conter as mudanças climáticas. O objetivo é fazer com que o aumento da temperatura média do planeta fique bem abaixo de 2 ºC em relação aos níveis da Revolução Industrial. De forma ideal, o aumento deve chegar no máximo a 1,5 ºC acima da temperatura média do período pré-industrial – marca já atingida em 2024.
Se por um lado, o Acordo de Paris representou um avanço na luta contra as emissões de GEE, por outro deixou uma lacuna: a falta de mecanismos para responsabilizar países pelo descumprimento do tratado, problema que também se aplica aos agentes privados. Diante desse vácuo, as Nações Unidas reconhecem a litigância como um mecanismo fundamental, capaz de oferecer à sociedade civil uma forma de abordar as respostas inadequadas dos governos e do setor privado à crise climática.
São diversas as questões chegam ao Judiciário. Elas abrangem desde a exigência de o setor privado cumprir políticas públicas ambientais à obrigação de o Poder Executivo adotar políticas adequadas à crise climática. Entre os temas discutidos no setor privado, estão omissões sobre emissões, distribuição de custos para adaptação e se eventos climáticos extremos ainda podem ser considerados imprevisíveis.
No Brasil a principal fonte de litígios é a mudança de uso da terra e da floresta, que responde por quase metade das emissões nacionais. Esse contexto confere ao país uma posição singular na chamada “tripla crise planetária” — que engloba as mudanças climáticas, a poluição e a perda de biodiversidade. No mundo, em geral, os emissores associam suas emissões a combustíveis fósseis. Já no Brasil, as emissões estão mais relacionadas à degradação ambiental e à perda de biodiversidade, o que se reflete no aumento dos litígios envolvendo a proteção dos principais biomas – Amazônia, Pantanal e Cerrado.
O país também se destaca no cenário de litigância climática em grande parte devido ao volume crescente de casos:
- na principal plataforma dedicada a desenvolver e divulgar ferramentas e recursos legais para combate à crise climática – a Sabin Center, afiliada à Columbia Climate School –, o país ocupa a terceira posição, com 141 casos, atrás apenas de Estados Unidos e Austrália.
- na plataforma nacional (Juma), gerida pela PUC-Rio, o número de casos chega 336 – mais do que a Austrália (171 casos).
Os Estados Unidos contabilizam cerca de 3 mil casos, porém, com o anúncio de que o país sairá do Acordo de Paris (o que se efetivará em janeiro de 2026), o Brasil tende a se firmar como protagonista global em litigância climática.
Além dos números, a qualidade das decisões reforça o protagonismo brasileiro. O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, foi uma das primeiras cortes nacionais a reconhecer o Acordo de Paris como tratado de direitos humanos. Na Arguição de Descumprimento a Preceito Fundamental 708/DF (ADPF 708/DF), a Suprema Corte estabeleceu que cabe ao Executivo federal o dever constitucional de garantir o funcionamento do Fundo Nacional de Mudanças Climáticas – instrumento da Política Nacional sobre Mudança do Clima, voltado ao financiamento de projetos, estudos e empreendimentos que visem à redução de emissões de GEE e à adaptação aos efeitos da mudança do clima.
Nesse cenário, o Brasil tem a oportunidade de reafirmar seu papel de protagonista em litigância climática durante a COP 30. A crise do clima deixou de ser um debate sobre o futuro: ela já influencia decisões de investimento, produtividade e segurança jurídica. Dispor de instrumentos eficazes, como a litigância, para aprimorar a governança ambiental e proteger a sociedade dos impactos das mudanças climáticas coloca o Brasil em uma posição privilegiada.
