A intensificação dos efeitos das mudanças climáticas tem exigido respostas cada vez mais estruturadas da comunidade internacional. Recentemente, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu um parecer consultivo que consolidou as obrigações legais dos Estados no enfrentamento da crise climática, abrindo caminho para responsabilizações e reparações em caso de descumprimento. O parecer, solicitado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, teve origem na iniciativa de Vanuatu, país insular cuja vulnerabilidade à elevação do nível do mar exemplifica os riscos reais enfrentados por diversas nações.

A CIJ foi instada a esclarecer as obrigações jurídicas dos Estados em relação à proteção do sistema climático contra emissões antropogênicas de gases de efeito estufa (GEE) – aquelas geradas pela ação do homem –, bem como as consequências jurídicas decorrentes da violação dessas obrigações.

A fundamentação jurídica do parecer se baseou no artigo 38 do Estatuto da CIJ,[1] que estabelece as fontes do direito internacional, incluindo tratados, costumes internacionais e princípios gerais do direito. Instrumentos como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris foram considerados, assim como convenções internacionais de direitos humanos.

A Corte reconheceu que os Estados têm obrigações legais vinculativas para proteger o sistema climático, incluindo:

  • o dever de reduzir emissões de GEE;
  • adotar medidas eficazes baseadas em evidências científicas;
  • cooperar internacionalmente; e
  • garantir o gozo efetivo dos direitos humanos frente à crise climática.

Essas obrigações foram qualificadas como deveres erga omnes, ou seja, obrigações devidas à comunidade internacional como um todo, incluindo gerações futuras. A afirmação de que esses compromissos não são apenas de metas políticas, mas obrigações jurídicas, reforça a necessidade de responsabilização em caso de descumprimento.

O parecer estabelece que a violação das obrigações climáticas pode configurar ato internacionalmente ilícito e levar à responsabilização do país infrator – o que pode incluir a obrigação de realizar reparações, desde que comprovado o nexo causal entre o ato ilícito e o dano sofrido.

Apesar de sua natureza consultiva, o peso jurídico e político desse parecer é grande, podendo influenciar decisões judiciais em tribunais nacionais e internacionais, orientar políticas públicas e fortalecer negociações multilaterais, como as que ocorrerão na COP 30 – a ser sediada pelo Brasil, em novembro em Belém, no Pará.

No contexto brasileiro, o parecer reforça compromissos já assumidos pelo país no âmbito do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário desde 2016. Em novembro de 2024, durante a COP 29, o Brasil apresentou sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês),[2] estabelecendo a meta de reduzir entre 59% e 67% das emissões líquidas de GEE até 2035, em comparação aos níveis de 2005.

Esse compromisso reflete uma mudança de paradigma no modelo de desenvolvimento nacional, com foco na descarbonização da economia, na restauração florestal e na promoção de justiça climática, ao substituir a lógica tradicional de crescimento baseada unicamente na exploração intensiva de recursos naturais por uma abordagem que integra sustentabilidade ambiental, responsabilidade intergeracional e equidade social como pilares centrais das políticas públicas e estratégias econômicas.

O parecer da CIJ poderá influenciar diretamente políticas públicas estatais, decisões judiciais e ações administrativas, especialmente em relação à responsabilização por danos ambientais e à exigência de maior ambição climática por parte dos Estados e dos setores privados.

As empresas, como agentes econômicos e sociais, têm responsabilidade direta na mitigação dos impactos ambientais e na promoção de práticas sustentáveis. A adoção de compromissos climáticos, a transparência na gestão de riscos ambientais e a conformidade com normas internacionais devem integrar a estratégia corporativa, refletindo o compromisso com a sustentabilidade e a proteção dos direitos humanos.

A atuação jurídica é essencial para o mapeamento de riscos climáticos, a definição de estratégias preventivas e a elaboração de medidas reparatórias. Nesse sentido, uma assessoria jurídica especializada se torna um ativo valioso, para orientar empresas e instituições públicas no cumprimento das obrigações internacionais, na gestão de passivos ambientais e na implementação de políticas internas alinhadas aos princípios da governança climática. Esse suporte não apenas contribui para a conformidade regulatória, como fortalece a responsabilidade socioambiental no ambiente corporativo.

Para as empresas, antecipar os impactos ambientais e garantir a conformidade com os marcos regulatórios internacionais são elementos cruciais que devem integrar o planejamento jurídico e institucional. Além de reduzir riscos, essa abordagem valoriza a reputação corporativa e promove uma cadeia de valor sustentável. A atuação preventiva é tão relevante quanto a contenciosa, pois permite evitar crises ou, ao menos, mitigar suas consequências.

Diante do cenário atual, é imperativo que as empresas estejam preparadas para navegar nas complexidades das obrigações climáticas e garantir sua posição no mercado, alinhando-se às expectativas sociais e regulatórias. A proatividade na gestão de riscos climáticos não é apenas uma responsabilidade legal, mas uma oportunidade estratégica para fortalecer a sustentabilidade e a resiliência organizacional.

 


[1] 1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicar; 2. as convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; 3. o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito; 4. os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas; 5. as decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59. 6. A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes.

[2] A Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) é o principal instrumento pelo qual os países signatários do Acordo de Paris expressam seus compromissos climáticos. Trata-se de um plano nacional que estabelece metas específicas para redução de emissões de gases de efeito estufa, adaptação às mudanças climáticas e promoção de desenvolvimento sustentável, de acordo com as capacidades e circunstâncias de cada país.