A Emenda Constitucional 132/23 trouxe alterações importantes para o cenário tributário nacional, especialmente no que se refere à tributação sobre o consumo.

Com a recente regulamentação da Reforma Tributária pela Lei Complementar 214/25, os novos tributos criados – em especial a CBS e o IBS – têm o potencial de aumentar os litígios fiscais até que haja um amadurecimento do novo sistema. Torna-se, assim, necessário elaborar estudos e propostas sobre os impactos processuais decorrentes da reforma.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) criou um grupo de trabalho (GT) para promover debates e propostas sobre os possíveis impactos da Reforma Tributária nas atividades jurisdicionais exercidas pela Justiça Federal e pela Corte Superior.

Composto pela ministra Regina Helena Costa (coordenadora), pelo ministro Paulo Sérgio Domingues e pelo juiz federal Daniel Marchionatti Barbosa, o GT foi instituído pela Portaria STJ/GP 458/24. Em 24 de abril, o grupo divulgou seu relatório final, que foi aprovado pela 1ª Seção do STJ.

O relatório apontou algumas consequências do novo modelo desenhado pela Reforma Tributária sobre o consumo. Em conjunto, essas consequências expõem a dificuldade em manter a forma atual de organização do sistema judiciário. O documento cita:

  • cumulação de tributos sobre uma mesma base tributável, considerando que a CBS e o IBS, apesar de serem exigidos por sujeitos passivos distintos, compartilham da mesma base de incidência e regras em comum;
  • fragmentação e multiplicação das execuções fiscais, já que cada fato gerador dará direito a três créditos tributários, um para cada ente federativo (União, estado e município);
  • o grande número de sujeitos passivos nas ações de iniciativa dos contribuintes. Em exemplo citado no próprio relatório, um contribuinte que pretenda declarar que não há incidência de IBS, dada determinada situação de fato, deverá escolher contra que entes vale mais a pena litigar – ou promover ações contra todos; e
  • a consequente sobrecarga do sistema judiciário. De acordo com o relatório: "Se não houver um esforço sério para racionalizar a litigância judicial envolvendo o IBS e a CBS, o sistema judiciário poderá receber mais demandas do que tem capacidade de lidar".

Frente a esse cenário, percebe-se que a litigiosidade e os conflitos interpretativos entre os entes federativos poderão aumentar, se a regulamentação da Reforma Tributária não for feita em conjunto com uma reestruturação do atual sistema processual tributário.

Como alternativas para mitigar os impactos, o GT apresentou algumas propostas novas, bem como sua análise de projetos já em discussão, como:

  • criação de Ação Direta de Legalidade (ADL) e Ação Direta de Ilegalidade (Adil), de competência do STJ;
  • concentração de causas do IBS e da CBS (execuções fiscais e ações antiexacionais);
  • criação de um órgão concentrador;
  • estabelecimento de alçadas; e

  • requerimento administrativo prévio.

A seguir, detalhamos cada um desses itens.

Criação de Ação Direta de Legalidade e Ação Direta de Ilegalidade


Diante dos desafios impostos pela Reforma Tributária, uma das soluções discutidas para enfrentar o aumento da litigiosidade e promover maior segurança jurídica é a criação, por meio de emenda constitucional, das ações diretas de legalidade e ilegalidade (ADL e Adil).

Essa proposta tem o objetivo de permitir o controle concentrado da legalidade de atos normativos secundários e promover a uniformização da interpretação da lei federal pelo STJ.

Considera-se que essa medida pode tornar a resolução de conflitos tributários relacionados ao IBS e à CBS mais rápida e segura. O GT teve acesso a uma minuta de anteprojeto de PEC discutido pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), embora a proposta ainda não tenha sido formalizada.

A proposta de criação da ADL e da Adil no STJ visa permitir que o tribunal declare, de maneira ágil e uniforme, a legalidade ou ilegalidade de atos normativos secundários – como decretos e resoluções. Além disso, a proposta busca estabelecer uma interpretação padronizada da legislação federal referente ao IBS e à CBS.

Apesar de reconhecer que há vantagens como celeridade processual, isonomia concorrencial e redução da sobrecarga nas instâncias ordinárias, o GT alerta para riscos importantes. Entre eles, a supressão de instâncias, o aumento da demanda no próprio STJ e o enfraquecimento do contraditório.

Em relação à instituição dessas ações, o GT destaca que a ADL e a Adil têm especial relevância para o fisco, pois podem ser usadas como instrumentos eficazes para mitigar desigualdades decorrentes de decisões liminares favoráveis a determinados contribuintes.

Jurisdição ordinária


Embora as demandas da CBS sejam de competência da Justiça Federal e as do IBS da Justiça Estadual, o princípio seria juntar ambas em juízos únicos. Isso significa que, em vez de os litígios entre contribuinte e fisco serem julgados em processos separados – segregando-se, portanto, em instâncias IBS Estadual, IBS Municipal e CBS –, as demandas estariam concentradas em um processo simultâneo.

Esses tributos ficariam concentrados em apenas uma execução fiscal e, consequentemente, suas ações antiexacionais também estariam unificadas. Apesar de esse projeto ser o que mais evita o aumento do número de novos processos, haveria sobrecarga da Justiça Federal.

Entre os principais obstáculos estão a diferença na velocidade de apuração e lançamento de cada tributo, a autonomia das autoridades administrativas na interpretação da legislação e das provas, bem como a independência das representações judiciais da União, estados e municípios.

Além disso, a possibilidade de extinção de apenas um dos créditos tributários dificulta a unificação das execuções fiscais, pois exige articulação entre diferentes esferas fazendárias e pode alterar a competência jurisdicional, tornando o processo mais complexo.

No que se refere à definição do órgão competente para processar e julgar litígios envolvendo CBS e IBS, três alternativas foram analisadas:

  • criação de um tribunal federal com composição mista;
  • formação de colegiados virtuais compostos por magistrados federais e estaduais; e
  • atribuição da competência à Justiça Federal.

O GT entendeu que a criação de um novo tribunal enfrenta obstáculos administrativos e orçamentários significativos, sem garantir a uniformização da jurisprudência. Já os colegiados virtuais, extrapolam os limites da cooperação judiciária e tendem a aumentar a dispersão jurisprudencial. Por fim, a especialização da Justiça Federal aproveita estruturas já existentes, mas demanda planejamento financeiro e preenchimento de cargos vagos – algo problemático  especialmente diante das restrições orçamentárias.

Apesar dos desafios, a centralização das causas relativas ao IBS e à CBS em um órgão competente pode contribuir para a diminuição de litígios sobre situações fáticas ou jurídicas semelhantes.

A criação de um tribunal federal com composição mista, por exemplo, poderia promover maior uniformidade nas decisões, embora apresente contrapontos como limitações orçamentárias, especialização restrita aos tributos em questão e a necessidade de revisão das decisões pelo STF e STJ.

Convênios


Se não for possível unificar os julgamentos dos tributos, seria interessante criar convênios entre estados e municípios para a cobrança conjunta do IBS. Essa iniciativa permite concentrar e otimizar as execuções fiscais desse tributo, como previsto nos projetos de regulamentação. Com a unificação das execuções de IBS estadual e municipal, haverá aumento no número de processos, mas ainda assim o total ficará bem abaixo do pico já registrado na Justiça Estadual, o que demonstra viabilidade operacional.

Estabelecimento de alçadas


A distribuição dos valores das causas seriam proporcionais aos entes federativos. Assim, as demandas de menor valor seriam de responsabilidade municipal (Justiça Estadual), as de médio valor caberiam ao estado (Justiça Estadual) e as de maior valor ficariam com a União (Justiça Federal).

Requerimento administrativo prévio


A exigência de um requerimento administrativo prévio consiste em exigir que o contribuinte provoque administrativamente o órgão competente (seja ele municipal, estadual ou federal) antes de ajuizar a ação judicial. Esse requerimento administrativo prévio já existe nas causas previdenciárias, em que se exige que o beneficiário provoque o INSS antes de recorrer ao Poder Judiciário (Tema 350 do STF).

No entanto, como citado no relatório, essa alternativa deve ser analisada sob a perspectiva do direito à inafastabilidade da jurisdição, prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

A doutrina e jurisprudência também criticam a ideia, já que o próprio Supremo, no Tema 1.373 (RE 1.525.407), afastou a necessidade do requerimento prévio para o ajuizamento da ação para casos em que se discutia a isenção do Imposto de Renda por doença grave.

Por todas as propostas mencionadas acima, percebe-se que, embora a Lei Complementar 214/25 já tenha sido aprovada e ainda haja projetos de lei complementar em tramitação, esses projetos não abrangem de forma categórica a atuação integrativa dos entes federativos no contencioso judicial tributário.

O relatório do GT foi aprovado pela 1ª Seção do STJ e remetido ao Congresso Nacional. O documento atende à sua finalidade primordial de promover debates e apresentar sugestões a gargalos decorrentes das mudanças promovidas pela Reforma Tributária.

Próximos passos


Caso as alterações sugeridas no relatório venham a ser acolhidas pelo Congresso Nacional, elas poderão dar origem a projetos de emendas constitucionais (PECs) ou a projetos de leis complementares (PLPs), de acordo com a proposta que se pretender implementar.

É importante destacar que, em 10 de abril deste ano, o Conselho Nacional de Justiça também constituiu um grupo de trabalho com o objetivo de criar um anteprojeto de emenda à Constituição  que aborde o problema identificado no sistema processual tributário, decorrente da Reforma Tributária.

Percebe-se, porém, que esse grupo de trabalho, assim como no GT do STJ, é composto majoritariamente por representantes da Administração Pública, como ministros, desembargadores, procuradores, magistrados etc.[1].

Embora não se questione as qualidades técnicas desses componentes, a construção de uma comunicação e um diálogo efetivos é potencializada quando membros da advocacia privada também participam das discussões referentes aos anteprojetos da Reforma Tributária.

O Machado Meyer está à disposição para auxiliar na compreensão de todas as especificidades relacionadas ao tema e na interpretação da legislação tributária.

 


[1] PORTARIA PRESIDÊNCIA 96, DE 8 DE ABRIL DE 2025 – Grupo de trabalho do CNJ – Composição: ministro Luís Roberto Barroso, ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal; ministro Paulo Sérgio Domingues, do Superior Tribunal de Justiça; desembargadora federal Mônica Nobre, conselheira do Conselho Nacional de Justiça; Rodrigo Pacheco, senador da República; Leonardo Alvim, assessor do advogado-geral da União para questões tributárias e financeiras; João Henrique Chauffaille Grognet, procurador-geral da Fazenda Nacional adjunto; Rita Nolasco, procuradora da Fazenda Nacional; Frederico Mendes Júnior, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros; Caio Marinho, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil; Inês Coimbra, presidente do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal; Lilian Azevedo, da Associação Nacional das Procuradoras e dos Procuradores Municipais; e Heleno Torres, advogado.

PORTARIA STJ/GP 458 DE 21 DE AGOSTO DE 2024. – Grupo de trabalho do STJ – Composição: Regina Helena Costa, ministra do Superior Tribunal de Justiça, coordenadora; Paulo Sérgio Domingues, ministro do Superior Tribunal de Justiça; Daniel Marchionatti Barbosa, juiz federal.