Seguindo os passos do que foi inaugurado na esfera federal, o estado de São Paulo publicou, em outubro, a Lei nº 17.293/20 que, entre outras medidas, instituiu a transação tributária no âmbito estadual, permitindo a resolução consensual de litígios relacionados a débitos inscritos em dívida ativa.

Para regulamentar a transação tributária, a Procuradoria-Geral do Estado editou a Resolução PGE-27/20 e a Portaria SUBG CTF-20/20, em vigor desde o fim do ano passado. O objetivo de ambas as normas foi estabelecer critérios objetivos e transparentes para celebrar a transação, bem como para ranquear os créditos do contribuinte-devedor com o intuito de verificar sua situação e calcular os descontos possíveis para cada caso concreto.

Em termos gerais, e sem prejuízo das peculiaridades de cada caso, as transações paulista e federal têm quatro diferenças fundamentais:

  1. Enquanto a federal prevê três modalidades (transação da dívida ativa, transação do contencioso e transação de pequeno valor), a estadual prevê que apenas débitos inscritos em dívida ativa podem ser transacionados.
  1. A transação estadual admite a concessão de descontos (embora menos relevantes) também para os créditos classificados como A e B (dívidas com capacidade máxima de recuperação), ao passo que a federal só admite a transação da dívida ativa referente a créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação (C e D). Também adota como critério para a concessão de descontos não só o grau de recuperabilidade do crédito segundo os critérios que especifica, mas também as chances de êxito da discussão judicial.
  1. A transação estadual admite a utilização de valores depositados em juízo para reduzir o montante da dívida a ser transacionada.
  1. A legislação estadual define, ainda que não use essa expressão, o devedor contumaz, em relação ao qual a transação não será admitida (Art. 47, IV, da Lei “É vedada a transação que: (...) envolva devedor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Intermunicipal e Interestadual e de Comunicação - ICMS que, nos últimos 5 (cinco) anos, apresente inadimplemento de 50% (cinquenta por cento) ou mais de suas obrigações vencidas”). A transação federal, ao contrário, prevê que não será admitida a transação com devedor contumaz, mas não o define. Enquanto não houver essa definição, entende-se que essa restrição específica não se aplica à esfera federal.

Com as devidas peculiaridades, admite-se, de maneira isolada ou cumulativa, o desconto sobre o valor das multas e dos juros, o parcelamento das dívidas, o diferimento do pagamento ou a moratória, além da possibilidade de transacionar aspectos vinculados às garantias. A utilização de precatórios como forma de compensar os débitos devidos, por outro lado, não é admitida.

A classificação dos créditos tributários a serem transacionados é feita de acordo com os seguintes critérios, expressamente previstos pela lei: garantia, histórico de pagamento, idade da dívida, capacidade econômica, risco fiscal e custos de cobrança. Com base na análise desses critérios, os créditos tributários a serem transacionados serão divididos nas seguintes categorias (rating): “A” (recuperabilidade máxima), “B” (média), “C” (difícil) e “D” (irrecuperáveis).

Ou seja, os créditos tributários serão classificados de acordo com a sua recuperabilidade, mas serão elegíveis à transação em qualquer uma das categorias existentes. O benefício a ser concedido é inversamente proporcional ao rating: quanto maior o rating, menor será o benefício.

Os ratings serão diferenciados pelo tributo a ser transacionado, ao contrário do que ocorre no âmbito federal, em que o rating é uniforme. Um exemplo são os contribuintes devedores de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que terão critérios mais específicos de classificação dos créditos tributários quando comparados com os de ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação). O objetivo é aumentar a arrecadação dos valores tidos como irrecuperáveis.

O parágrafo 3º do artigo 54 da Lei nº 17.293/20[1] estabelece que todas as informações de classificação da dívida por recuperabilidade serão sigilosas e só poderão ser divulgadas ao devedor ou seu representante.

Contudo, a Resolução PGE-27/20 dispõe que o contribuinte apenas saberá da sua nota de classificação e, consequentemente, do seu rating quando da apresentação da proposta individual de transação ou adesão a edital. Ou seja, a resolução acabou por criar uma restrição de constitucionalidade e legalidade duvidosa, na medida em que a lei paulista, em consonância com a Constituição Federal,[2] permite ao contribuinte o acesso às informações relacionadas à recuperabilidade da sua dívida sem qualquer limitação temporal.

De acordo com a classificação da dívida, serão oferecidos os seguintes descontos:

  • 20% sobre juros e multas para as dívidas classificadas no rating A, até o limite de 10% do valor total atualizado da mesma dívida na data do deferimento.
  • 20% sobre juros e multas para as dívidas classificadas no rating B, até o limite de 15% do valor total atualizado da mesma dívida na data do deferimento;
  • 40% sobre juros e multas para as dívidas classificadas no rating C, até o limite de 20% do valor total atualizado da mesma dívida na data do deferimento.
  • 40% sobre juros e multas para as dívidas classificadas no rating D, até o limite de 30% do valor total atualizado da mesma dívida na data do deferimento.
  • Para transações com Microempresa (ME), Empresa de Pequeno Porte (EPP) ou Microempreendedor Individual (MEI), os limites serão de 30% nos casos dos créditos classificados nos ratings A e B, ou de 50% para os créditos classificados nos ratings C e D.

Tratando-se exclusivamente da matéria tributária, a lei prevê que a transação pode ocorrer por adesão a proposta da PGE ou por proposta individual do contribuinte. A transação por adesão aos editais será permitida apenas para contribuintes que tenham débitos inscritos em dívida ativa no valor máximo de R$ 10 milhões. Acima desse valor, será admitida apenas a transação por proposta individual.

Na transação individual, cabe ao contribuinte propor à PGE quais dívidas pretende quitar e em quais condições. Já foram disponibilizados no site da PGE-SP os formulários para requerimento de transação por proposta individual, de modo que os contribuintes que cumprirem os requisitos gerais previstos pela Lei nº 17.293/20, regulamentada pela Resolução PGE-27/20 e SUBG CTF-20/20, poderão transacionar com o fisco paulista e regularizar sua situação.

A transação por adesão será proposta pela PGE para encerrar litígios que versem sobre a mesma controvérsia jurídica e estará sujeita à aceitação dos contribuintes que cumprirem as condições e os requisitos a serem informados em edital. Ela se destina exclusivamente aos contribuintes que tenham débitos inscritos em valor não superior a R$ 10 milhões e será realizada exclusivamente por adesão a ser formalizada eletronicamente. Ainda não há edital aberto para essa modalidade de transação.


[1] Artigo 54 - O Procurador Geral do Estado regulamentará:

(...)

V - a vinculação das transigências de que trata o artigo 46 ao grau de recuperabilidade das dívidas objeto da transação, que levará em conta as garantias dos débitos ajuizados, depósitos judiciais existentes, a possibilidade de êxito da Fazenda na demanda, a idade da dívida, a capacidade de solvência do devedor e seu histórico de pagamentos e os custos da cobrança judicial;

(...)

  • § 3º- As informações sobre a recuperabilidade da dívida de que trata o inciso V deste artigo são consideradas sigilosas, podendo ser divulgadas, exclusivamente, ao devedor ou seu representante.

[2] Art. 5º, inciso XXXIII, da CF/88: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”