O adiamento do prazo de recolhimento de tributos federais, proposta em análise pelo Ministério da Economia e já aplicada por diversos países que sofrem economicamente com a pandemia do novo coronavírus, pode ser eficiente para dar um "fôlego" temporário a setores da economia em crise. Na avaliação de tributaristas, porém, a estratégia não será suficiente para evitar uma recessão e a crise em empresas. Para representantes de grandes companhias, a medida não seria suficiente porque apesar do adiamento da data de recolhimento dos tributos federais, como IRPJ, CSLL, PIS, Cofins e contribuições previdenciárias, as empresas ainda terão que pagar os valores posteriormente, sem saber se a condição econômica estará favorável. A proposta funciona, na visão dos advogados, como uma solução de curto prazo.

O secretário executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, afirmou na última segunda-feira (16/3) ao jornal Valor Econômico que a pasta estuda adiar o recolhimento de tributos federais em dois ou três meses para aliviar os sinais de uma crise econômica provocada pela pandemia da covid-19. A medida, segundo o Ministério da Economia, ajudaria os principais setores em emergência.

A estratégia defendida pelo Ministério também é conhecida como moratória tributária, e está prevista no artigo 152 do Código Tributário Nacional (CTN). Há duas possibilidades para o governo declarar a moratória: por meio de Medida Provisória, que necessita de um ato da presidência da República e posteriormente da apreciação do Congresso Nacional, ou por um Projeto de Lei.

Medidas internacionais

A tendência de recessão econômica mundial preocupa as principais nações afetadas pelo coronavírus. Com isso, países como Alemanha, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Peru, Suécia, Suíça e Costa Rica adotaram a moratória tributária como uma forma inicial de ajudar empresas com a desaceleração econômica.

Segundo Raquel Novais, sócia do Machado Meyer, países como a Suécia, onde há a possibilidade de restituir, mesmo retroativamente, os valores de tributos recolhidos desde janeiro até março deste ano, já buscam outras saídas para a crise econômica. No caso dos Estados Unidos, a advogada destaca a concessão de créditos tributários, para futura compensação com contribuições para a seguridade social, de 100% dos valores gastos a título de afastamento remunerado de empregados por doença ou licença parental.

Sobre a moratória estudada pelo governo brasileiro, Novais avalia ser uma medida "salutar" para o atual momento enfrentado. "Os negócios estão parando. Muitos precisam de recursos de caixa que usariam para pagar imposto. A aplicação de multas pelo não pagamento prejudicaria ainda mais", afirma a advogada.

Para Ana Monguilod, sócia do PGLaw e professora do Insper, o alargamento do tempo para o recolhimento de tributos é "interessante" por ser uma medida que gera fluxo de caixa para o contribuinte. "Historicamente, o Brasil sempre recolheu os seus tributos em prazos muito curtos. É uma herança da nossa fase inflacionária e, talvez, de uma desconfiança do Estado em relação aos contribuintes. Considerando o cenário atual e a necessidade das empresas é uma medida louvável", afirma.

Ainda nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump defendeu, na segunda-feira (16/3), um corte no imposto sobre a folha de pagamento nos principais setores da economia americana. Entretanto, a estratégia defendida pelo presidente americano é descartada por membros do partido democrata no Legislativo. A proposta defendia por Trump precisaria da aprovação da Câmara dos Deputados e do Senado. Nesta terça-feira (17/3), o governo americano anunciou um pacote de um trilhão de dólares para impulsionar a economia, mas o corte de imposto sobre a folha de pagamento não entrou no plano de ajuda.

OCDE

A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou um documento na última segunda-feira (16/3) com medidas tributárias para limitar os danos na economia causados pela pandemia do coronavírus. Além da moratória, a organização defende o perdão tributário, permitir que trabalhadores em situação e ambiente de risco tenham isenção parcial de tributos, isenção ou adiamento de tributos sobre propriedades empresariais, isenção de taxas de seguridade social para os setores mais afetados, entre outras recomendações.

Na visão de Ariane Guimarães, sócia do Mattos Filho, as práticas de isenção ou redução de alíquotas deverão ser aplicadas pelo governo brasileiro para uma maior segurança ao setor privado durante dificuldades econômicas. Ela também defende a isenção na folha de pagamento.

"Em um momento de crise, é preciso gastar para a economia rodar. Acredito que deveriam discutir os meios normativos mais céleres para essa opção ser adotada", explica a tributarista. Para ela, apesar de um sacrifício na arrecadação do Estado, o benefício de manter a economia funcionando evita que uma recessão tenha consequências maiores em setores da economia.

Segundo um ex-secretário do Ministério da Economia, a Lei de Responsabilidade Fiscal permite o aumento do gasto público em situações de calamidade. Com isso, medidas mais radicais, apesar de causarem a queda da arrecadação, podem ajudar no cenário de crise.

Apesar de possíveis estratégias mais radicais, a OCDE defende uma reorganização das contas após o desaparecimento da pandemia, em busca um equilíbrio entre os estímulos fiscais aplicados e a consolidação da arrecadação.

Para Raquel Novais, a isenção de tributos e a redução de alíquotas, se feita sem cautela, pode beneficiar uma parte pequena do setor privado e, ao mesmo tempo, prejudicar de forma considerável a arrecadação do Estado. As consequências dessa menor arrecadação poderiam atingir diretamente a população. "É um sacrifício público", diz.

Medidas Urgentes

Os principais setores que precisariam de medidas tributárias mais urgentes, na visão de tributaristas, são aviação, restaurantes e turismo. Outros advogados entrevistados pelo JOTA afirmam, entretanto, que medidas que impactam diretamente na arrecadação da União são perigosas e podem piorar a situação econômica do país no futuro. A argumentação é que o desequilíbrio na arrecadação pode ser benéfico no momento de crise, mas causará danos permanentes para as contas do país no futuro.

A moratória tributária defendida pelo Ministério da Economia também preocupa os tributaristas mais pessimistas. Isso porque não se sabe quando os setores da economia mais afetados terão fluxo de caixa para recolherem normalmente os tributos federais.

Além disso, empresas que já possuem dívidas teriam um valor ainda maior devido à União após o período da moratória. O perdão desses pagamentos ou créditos tributários funcionariam, na visão dos analistas, como uma ação de maior segurança para o setor privado.

Segundo o tributarista Igor Mauler, que considera a moratória uma boa medida, o governo também poderia estudar a redução de impostos como o IPI e tributos sobre importação. "É possível alterar esses tributos por meio de decreto. Pode ser uma forma de alívio rápida para empresas", diz. Ele afirma que essas medidas poderiam ajudar setores mais afetados com o início da pandemia.

Nesta quara-feira (18/3), a Receita Federal publicou uma resolução que zera a alíquota do Imposto sobre Importação de uma série de medicamentos e produtos, com álcool gel, para ajudar no combate à pandemia da covid-19.

Sobre a moratória, Mauler afirma que é uma forma de não deixar irregulares as empresas com pouco caixa. "Há setores com a atividade econômica reduzida e, ao mesmo tempo, já carregam tributos de meses anteriores para o pagamento", explica. Ele destaca o setor da aviação e de restaurantes, que mostram grandes dificuldades para lidar com o momento inicial da crise econômica.

A União tem o direito, com base no Código Tributário Nacional (CTN), de adiar o recolhimento dos tributos federais por meio de Medida Provisória. Com isso, seria necessário somente um ato da presidência da República anunciando a medida e, posteriormente, a apreciação do Congresso Nacional. Nos tributos estaduais e municipais, governadores e prefeitos podem declarar a moratória do ICMS e ISS, respectivamente, por meio de decretos.



Jornalista: LEORATTI, Alexandre

(JOTA - 18.03.2020)