Legislações estrangeiras e projeto de lei brasileiro aumentam importância
do combate a negócios sujos com governo.
Comprar agentes do governo para extrair vantagens comerciais ou
financeiras indevidas é uma artimanha que está saindo cara para as empresas. Embora
não haja estatísticas oficiais sobre o preço da desonestidade de políticos ou
servidores estatais, as penalidades impostas aos subornadores estão
visivelmente mais pesadas no caso de companhias ligadas às negociatas, isso
pode chegar a representar dezenas de milhões a menos nos balanços. Ao que tudo
indica, as chances de os corruptores serem enquadrados também tendem a crescer,
algo que obviamente incomoda os desonestos, mas também inquieta quem tem a
consciência limpa, pois todo cuidado é pouco. Dois fatos explicam o porquê: o
maior rigor das autoridades dos Estados Unidos na aplicação da Foreign Corrupt
Practices Act (FCPA), legislação que combate atos de corrupção cometidos por
empresas fora daquele país; e o surgimento de legislações semelhantes no
panorama internacional, no Brasil inclusive.
A FCPA foi promulgada em 1977, pouco depois de mais de 400 companhias
norte-americanas admitirem à Securities and Exchange Com- mision (SEC) terem
realizado pagamentos "questionáveis ou ilegais" para oficiais de
governo, políticos ou partidos políticos estrangeiros, segundo o texto de
explicação da lei publicado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos
(DOJ). Para evitar que empresas praticassem suborno em países mais suscetíveis
a corrupção, longe da fiscalização norte-americana, a lei estabeleceu penas
para três categorias básicas de infratoras: sediadas nos Estados Unidos;
estrangeiras com operações no país; e emissoras de valores mobiliários
registrados no mercado norte-americano ou obrigadas a prestar contas
regularmente à SEC caso das 28 companhias brasileiras emissoras de American
depositary receipts (ADRs).
A empresa não precisa estar diretamente envolvida no suborno para ser
condenada; basta que um funcionário, um acionista agindo em seu nome ou alguém
ligado a ela por uma joint venture cometa o delito para que a companhia seja
acionada. A Justiça tem estendido tanto esse conceito que, hoje, quase todos os
fundos de private equity norte-americanos exigem de suas empresas investidas,
dos mais diversos países, a assinatura de um termo de submissão às previsões da
FCPA. Por muito tempo, porém, a FCPA permaneceu praticamente engavetada. Entre
1992 e 2000, o DOJ promoveu apenas 13 sanções de descumpri- mento à lei, número
que deu um salto de 2007 para cá só em 2009, foram 34 processos.
CAÇA AOS RATOS - O caso
mais conhecido de aplicação da lei é o da Siemens, que tem ações negociadas na
Bolsa de Valores de Nova York. No fim de 2008, a companhia foi açoitada por um
total de US$ 1,6 bilhão em multas do DOJ, da SEC e de autoridades alemãs. O
conglomerado alemão de engenharia eletrônica e elétrica foi condenado por se
envolver em atos de corrupção em escala global da Rússia à Venezuela, passando
por Alemanha, Argentina, Egito e Turquia. "Os Estados Unidos estão muito
agressivos e usando a FCPA como uma arma de competitividade diante da
constatação de que de nada adianta obrigar a criação de controles anticorrupção
nas empresas norte-americanas se corporações de outros países continuam com
essas práticas", diz Robert Ellison, sócio do escritório de advocacia
norte-americano Shearman & Stertling em São Paulo. Conforme um levantamento
do The FCPA Blog baseado em informes entregues à SEC, em março de 2012 havia ao
menos 81 companhias no mundo sob investigação por supostas infrações à lei,
ante 78 no fim 2011 e 74 um ano antes.
A única brasileira a figurar na lista é a Embraer. Em novembro de 2011,
na apresentação de resultados do terceiro trimestre, a fabricante de aeronaves
comunicou ser alvo de investigações em três países (sem especificar quais) por
possíveis violações à FCPA (também sem apontá-las). Na época, assegurou
colaborar com o DOJ e a SEC à qual está sujeita por ter ações listadas em Nova
York no trabalho de inspeção, mas se negou a fornecer outras informações por
considerar prematuras as previsões sobre duração ou desdobramentos da apuração.
No balanço do exercício de 2011, a companhia voltou a ressaltar que, àquela
altura, ainda não havia como estimar nenhum tipo de provisão para eventuais
penalidades decorrentes das investigações. A companhia não respondeu ao pedido
de entrevista feito pela reportagem.
O caso da Embraer é indicativo de que nem empresas com boa reputação
estão livres da FCPA, que avança ao mesmo tempo em que outras nações copiam seu
modelo. A aplicação da lei passou a ser mais freqüente e viável no início dos
anos 2000, depois que os 34 Estados membros da Organização para a Cooperação e
o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e mais cinco países (África do Sul,
Argentina, Brasil, Bulgária e Rússia) firmaram um compromisso de lutar contra o
suborno de oficiais de governos estrangeiros acordo conhecido como Convenção
Antissuborno da OCDE. Em menor ou maior grau, todos esses países vêm
estabelecendo leis para combater a prática.
LIMPANDO EMPRESAS - No
Brasil, uma das principais lacunas no cumprimento do acordo é a falta de uma
maneira de responsabilizar pessoas jurídicas por atos contra a administração
pública, nacional ou estrangeira. "Dos 39 países que ratificaram a
convenção, somente Brasil, Argentina e Irlanda ainda não possuem em seu
ordenamento jurídico uma lei que pune a empresa corruptora", afirma Leonardo
Machado, especialista em compliance do escritório Machado, Meyer,
Sendacz e Opice Advogados. Essa falha do País poderá ser suprimida caso
vingue o projeto que cria a chamada Lei da Empresa Limpa (Projeto de Lei
6.826/2010), atualmente em tramitação em uma comissão especial da Câmara dos
Deputados. As multas previstas variam de 0,1% a 20% do faturamento das
companhias no ano anterior à infração. O objetivo do projeto é punir, civil e
administrativamente, a pessoa jurídica que, por meio de seus executivos,
lobistas ou representantes, corrompe autoridades governamentais de todos os
escalões, poderes ou esferas, tanto no Brasil quanto no exterior. O texto seria
votado pela comissão especial em maio, mas o relator do projeto, o deputado
Carlos Zarattini (PT-SP), decidiu adiar a votação por duas vezes para negociar
os pontos de maior resistência. "A proposta central de quem reivindica
mudanças no texto é que a responsabilidade objetiva da empresa não se traduza
em inidoneidade que a impeça de participar de projetos com o governo",
conta o parlamentar.
Conforme o princípio da responsabilidade objetiva, não há necessidade de
provar que a empresa cometeu o ato de corrupção diretamente basta que um de
seus funcionários o tenha feito. Foram apresentadas várias propostas para que o
conceito passasse para o de responsabilidade subjetiva, que exige a comprovação
da atuação direta da empresa. "Nas negociações, estamos caminhando para um
consenso de que a responsabilidade objetiva seja mantida, mas, por outro lado,
caso a empresa tenha adotado medidas de prevenção e controle, poderá ter
sanções de multa excluídas, embora se mantenha a reparação do dano",
comenta Bruno Maeda, sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe e um dos
especialistas envolvidos na elaboração do projeto de lei. "O governo
brasileiro não abre mão do preceito da responsabilidade objetiva", avisa
Vânia Vieira, diretora de prevenção à corrupção da Controladoria Geral da União
(CGU), que trabalhou no anteprojeto de lei que resultou no Projeto de Lei
6.826/2010.
A discussão caminha para que também seja aceita a recomendação do
Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) de que, para uma empresa
que tenha comprado outra e descoberto uma prática ilegal posteriormente, as
sanções sejam reduzidas se a adquirente comprovar ter realizado auditoria para
identificar a ocorrência de atos ilícitos, mantiver programas de compliance e
colaborar com as autoridades. Esse tipo de salvaguarda costuma ser um poderoso
atenuante nos processos movidos no exterior. "Para fins tanto da FCPA
quanto do UK Bribery Act (do Reino Unido), a existência de controles internos
pode isentar de penalidades. Por causa disso, as empresas brasileiras já
começam a achar importante ter programa de compliance, pois, mesmo que não
sejam listadas lá fora, fazem negócios com empresas norte-americanas sujeitas à
FCPA e que estão cada vez mais demandando a adequação a essa legislação",
explica Maeda. Por vias diretas ou mais sinuosas, a prevenção à corrupção
começa a se instalar na agenda das empresas brasileiras.
Compliance serve como defesa
Sediada no Canadá e com ações negociadas em Nova York, a Brookfield Asset
Management, controladora da Brookfield Incorporações (companhia listada na
BM&FBovespa), poderá ter a chance de usar a estrutura de compliance a seu
favor caso venha a ser investigada pelo DOJ em razão de uma enuncia recente no
Brasil. Em 15 de junho, o Ministério Público do Estado de São Paulo abriu um
rocedimento de investigação criminal para averiguar a informação de que
funcionários do braço do grupo canadense dedicado a shopping centers, a
Brookfield Gestão de Empreendimentos (BGE, que tem capital fechado), teriam
distribuído propinas a agentes do governo municipal de São Paulo, no valor de
R$ 640 mil, para obter a licença para a realização de uma obra.
Em nota, a BGE negou as acusações e as >
A percepção geral, porém, é de que bons programas de controles internos e
conformidade sejam exceção no País. A maioria das empresas brasileiras está
distante de um patamar de compliance considerado ideal. O Instituto Ethos
acompanha a tramitação do Projeto de Lei 6.826 por meio de um grupo de empresas
signatárias do Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, de
2005. Segundo Betina Saruê, coordenadora de políticas públicas do instituto,
das 280 signatárias, 40 atuam ara manter vivos os compromissos do pacto. Hoje o
instituto está mapeando as empresas por meio e um questionário de 70 questões
para levantar quais são as práticas de controle adotadas. "Ainda ão temos
os resultados, mas acredito que as grandes companhias já tenham ao menos um
departamento com essa função, normalmente ligado ao jurídico", ressalta
Betina.
Talvez a Siemens seja o melhor exemplo de como uma lei que responsabiliza
a empresa pode judar não apenas para punir, mas, principalmente, para
incentivar a prevenção da corrupção. "Hoje departamento de compliance
global reúne 600 pessoas em todos os países, que vêm identificando novas falhas
e adotando medidas disciplinares em todos os níveis. No Brasil, são dez
profissionais dedicados a isso e 32 representantes em cada uma das unidades de
negócio. São pessoas escolhidas a dedo que conhecem a dinâmica da área e treinadas
para terem o faro apurado para detectar riscos", salienta Wagner
Giovanini, diretor de compliance da Siemens para a América Latina. O
departamento omeçou a ser estruturado em 2007 com um programa baseado em três
pilares: prevenção; detecção, com mecanismos de controle e investigação para o
caso de a prevenção falhar; e resposta, com olerância zero a corrupção. (C.N. e
D.G.)
Enquadrando os corruptos
Conheça os principais pontos da Lei da Empresa Limpa (PL 6826/2010)
Objetivo:
• Responsabiliza administrativa e civilmente pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
A quem se aplica:
•Sociedades empresárias e sociedades simples, quaisquer fundações,
associações de entidades ou pessoas, e sociedades estrangeiras que tenham sede,
filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de
direito, ainda que temporariamente.
O que determina:
• As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos
administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos na lei praticados em seu
interesse ou benefício, exclusivo ou não, independentemente de: natureza do
vínculo entre quem pratica o ato e a pessoa jurídica beneficiada; existência de
autorização superior ou poder de representação; e obtenção ou não da vantagem
ou do benefício almejado.
• Alguns atos considerados lesivos:
- Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a
agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
- Financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a
prática dos atos ilícitos previstos na lei;
- Usar pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais
interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
Dificultar a investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes
públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências
reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
Penalidades:
• Multa no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício
anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a
qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua
estimação;
• Declaração de inidoneidade, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco
anos. A declaração de inidoneidade implicará a proibição de participar de
licitação e contratar com órgãos ou entidades dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo.
• Publicação extraordinária da decisão condenatória;
• Proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou
empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras
públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um e máximo de
cinco anos;
• Revogação de delegação, autorização ou permissão, e cassação de licença
ou rescisão de contrato celebrado com a administração pública.
Atenuantes para a condenação:
•A gravidade da infração; a vantagem auferida ou pretendida pelo
infrator; a consumação ou não da infração; o grau de lesão, ou perigo de lesão;
o efeito negativo produzido pela infração; a situação econômica do infrator; a
cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; existência de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica.
(Revista Capital Aberto Ano 9 | No. 107 | Julho 2012 | Págs.
26-30)
(Notícia na Íntegra)