Fazenda Nacional vence 31 dos 37 julgamentos tributários realizados até setembro

Por Beatriz Olivon e Joice Bacelo — De Brasília

Os contribuintes nunca perderam tantas disputas no Supremo Tribunal Federal (STF) como neste ano. Em meio a uma alta produtividade dos ministros, a Fazenda Nacional saiu vencedora em 31 dos 37 julgamentos tributários realizados até setembro. Vitórias que evitaram a saída de aproximadamente R$ 500 bilhões dos cofres públicos.

A maioria das discussões fiscais vem ocorrendo por meio de julgamentos virtuais. Neles, o Plenário não se reúne nem virtualmente com cada ministro votando em tempo real. Cada um deposita seu voto e o sistema indica a unanimidade, maioria ou pedido de vista.

Com esse formato, o número de teses tributárias julgadas entre janeiro e setembro foi maior que a soma dos três últimos anos juntos. Entre 2016 e 2019, os ministros decidiram 25 temas tributários com repercussão geral. A Fazenda obteve êxito em 20.

Se contabilizado em reais, o placar, só neste ano de 2020, está em R$ 512,27 bilhões para a União contra R$ 48,13 bilhões para os contribuintes. Os dados constam no relatório de atividades de acompanhamento especial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no STF.

Trata-se de um recorde. É como se a União tivesse recuperado duas vezes o prejuízo estimado para a sua maior derrota na Corte: a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. A chamada “tese do século” foi julgada em 2017 e tem impacto previsto em R$ 250 bilhões. Mas ainda há embargos de declaração pendentes para que se tenha, enfim, um desfecho.

Grande parte da quantia envolvida nos processos julgados neste ano é referente a um caso que só dependia de finalização formal. Trata-se da validade dos regimes do PIS e da Cofins.

Os ministros, por maioria, declararam constitucionais o aumento da alíquota do PIS de 0,65% para 1,65% e a instituição do regime da não cumulatividade, que permite às empresas usar créditos e reduzir a tributação.

Outras quatro teses também concluídas neste ano concentraram R$ 145 bilhões. Em uma delas, os ministros decidiram que as empresas têm que pagar IPI ao revender produtos importados. Só nesse julgamento, a Fazenda Nacional conseguiu evitar a perda de R$ R$ 56,3 bilhões. O tema estava na fila, à espera de uma decisão, desde 2016.

A validade da cobrança do adicional de 10% sobre a multa do FGTS nos casos de demissão sem justa causa também integra a lista dos quatro casos bilionários. O percentual era cobrado do empregador até dezembro do ano passado. A expectativa das empresas com o julgamento era de que pudessem receber os valores pagos no passado - o que provocaria um impacto de até R$ 36 bilhões para a União.

Em um outro julgamento, contrariando as expectativas do mercado, o STF decidiu que as empresas devem recolher contribuição previdenciária sobre o terço de férias. Com isso, reformaram decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em repetitivo, ou seja, que orientava primeira e segunda instâncias, em sentido contrário.

Completa a lista dos casos mais custosos o processo em que se discutiu a validade da cobrança de 0,6% sobre a folha de salário das empresas para o custeio do Sebrae, Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). O prejuízo poderia superar R$ 20 bilhões.

Dos cinco temas mais valiosos para a União, só um deles, sobre o Sebrae, não foi concluído no Plenário Virtual - apesar de as discussões terem se iniciado nesse ambiente.

Nesta plataforma não há interação em tempo real. Os advogados gravam as suas sustentações orais e disponibilizam no sistema. Já os ministros têm prazo de uma semana para depositar os seus votos. Não há um debate de ideias visível ao público.

Uma das explicações para a quantidade de julgamentos realizados pode estar no fato de os próprios relatores e os ministros com voto-vista terem o poder de incluir os processos na pauta. No plenário físico - em que as sessões, atualmente, ocorrem por meio de videoconferência - o controle do que será analisado é do presidente da Corte.

“Com o Plenário Virtual os casos foram desengavetados”, afirma Felipe Dutra, professor de planejamento tributário do Ibmec. O placar favorável à Fazenda, diz, pode estar atrelado ao momento de crise e ao peso que seria provocado com o passivo e as perdas na arrecadação.

A advogada Cristiane Romano, sócia do escritório Machado Meyer, afirma que os clientes estão assustados “com a avalanche de decisões contrárias”. Assim como o momento é ruim para União, frisa, o mesmo ocorre com as empresas, que também sofrem com os efeitos da crise.

“É um desastre o que aconteceu neste ano no STF” afirma Daniel Correa Szelbracikowski, sócio do escritório Dias de Souza Advogados. Para o advogado, o ponto não é o Supremo ter “passado o trator” nos contribuintes, mas sim deixar em dúvida a observação de garantias do devido processo legal. “O Supremo limpou parte de sua pauta com debates superficiais.”

Já para o coordenador da atuação da PGFN no STF, Paulo Mendes, a diferença deste ano para os anteriores está no número de julgados. Muitos casos tributários até chegavam a ser pautados no plenário presencial, mas acabavam não sendo julgados por falta de tempo nas sessões. Com o virtual, diz, esse problema acabou.

Mendes entende que a prevalência de decisões a favor da União mostra que, em geral, quem aplica as leis tributárias no Brasil segue a Constituição Federal nas suas interpretações. “Isso demonstra que, em regra, o legislador age constitucionalmente, apesar de existirem tantos questionamentos no Judiciário”, afirma. Por isso, conclui, a regra é manter o entendimento da Receita Federal.