Domingos Fernando
Refinetti
Atrevo-me,
de longe, a emitir algumas considerações, estritamente pessoais, sobre o
recente episódio Costa Concordia.
Tenho para mim que parece ser altamente
improvável que a decisão de aproximar o navio à ilha de Giglio, quaisquer que
fossem os motivos para tanto (e sem entrar no seu mérito) - assim como a
implementação de tal decisão - tenha sido tomada e assumida, repentina, única,
isolada e exclusivamente, pelo capitão do navio.
Uma embarcação daquele porte (i) não se
afasta da sua rota sem que a tripulação tome, no mínimo, conhecimento disso (e
participe disso, ativa ou passivamente); (ii) não se aproxima, talvez
temerariamente, da terra sem que a guarda costeira (ou alguma autoridade naval
equivalente) também perceba (e concorde com isso, ainda que por omissão); ambas
ou qualquer das hipóteses dificilmente ocorreriam sem que, muito provavelmente,
(iii) os próprios armadores, em algum momento, em algum lugar e por meio de
algum sistema de monitoramento (talvez por satélite), também estivessem a par e
(novamente, ainda que por omissão) aquiescessem com isso.
Algo como uma "culpa coletiva"
(por negligência, imprudência ou imperícia), de toda a sorte lamentável e
indesculpável.
Entretanto, somente o capitão dessa nave é
que tem sido apontado – pelo menos publicamente – como o responsável pelo
choque com os rochedos (de novo, sem adentrar o mérito "naval" da
questão).
Pois bem, isso se deve, em minha opinião,
muito mais pela sua reação – posterior ao resultado dessa decisão – do que,
propriamente, pela decisão, reação que, aos olhos de todos, fez como que viesse
a absorver a culpa dos demais eventuais e supostos corresponsáveis (por ação ou
omissão) pelo desenlace desastrado e desastroso (sem que essa afirmação,
evidentemente, sirva para diminuir a responsabilidade que lhe cabe, como
autoridade máxima a bordo).
Pois bem: não há quem, ao longo de sua
vida, não tenha decidido, em algum momento, aproximar-se da ilha de Giglio.
Muitas das decisões que tomamos, muitos dos
destinos que, em certos momentos, elegemos, em termos pessoais ou
profissionais, privada ou publicamente, desviam-nos de determinadas (e
imaginadas) rotas e fazem-nos passar muito perto de rochedos, de arrecifes, de
bancos de areia, se é que não nos acercam de verdadeiros icebergs.
Deve ser de nossa natureza, talvez faça
parte de nossa missão, seguramente faz parte de nossa jornada neste mundo, se,
como capitão de um barco (nosso barco), em algum lugar queremos, um dia chegar,
em alguma baia remansosa almejamos, um dia, aportar, ancorar, carregados com
algum sentimento de realização, de dever cumprido, de completude, de plenitude
(e o que mais poderemos levar conosco dessa viagem?).
A ilha de Giglio e suas armadilhas sempre
estarão à espreita e à nossa espera.
E se, por ventura, nessas aproximações,
nosso barco vier a dar com os arrecifes do percurso, vier a adernar ou, por
vezes, a soçobrar, o importante, o vital, o fundamental, é não abandonar o
barco, é não deixá-lo, e a quem nele, por acaso, tiver embarcado conosco, à
deriva, perdido, descartado.
O barco, a viagem, o sonho e a esperança de
chegarmos ao destino, reconstroem-se, reinicia-se, concretiza-se, alcança-se,
com perseverança e têmpera, é claro, mas com caráter, com respeito, com ética,
com altivez e coragem, não importam os percalços.
A fuga, no entanto, frente às adversidades,
aos insucessos, aos fracassos eventuais de uma aproximação à ilha de Giglio,
provavelmente fará com que a dignidade, a honra, a hombridade, a credibilidade,
até mesmo a autoridade de que necessitamos para levar nosso barco a porto
seguro, ficarão, no entanto, perdidos no meio do caminho, junto com os
escombros da nossa embarcação abandonada.
Moral da história: não importa o tamanho do
desastre, permaneça a bordo (cazzo!) e nunca abandone o timão do seu
barco.
* Domingos Fernando Refinetti é sócio do
escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados
(Migalhas 02.02.2012)
(Notícia na Íntegra)
