Por Fábio Falkenburguer, Vitor Barbosa, Marina Estrella, Pedro Amim e Lucas Scaff

Quase nove meses se passaram desde a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil e o vírus continua sendo uma incógnita para a comunidade científica e um pesadelo para o bem-estar social e para a economia. Os efeitos trágicos da pandemia continuam ditando os rumos de diversos setores econômicos, especialmente daqueles cuja principal fonte de renda está diretamente atrelada à movimentação de pessoas, como é o caso do setor de infraestrutura de transportes.

Em abril de 2020, a Secretaria de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura oficiou a consultoria jurídica do referido ministério para indagar (i) se os efeitos negativos decorrentes da pandemia poderiam configurar evento de força maior apto a embasar pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão; e (ii) quais as condições necessárias para que uma crise econômica advinda do isolamento social determinado pelas autoridades brasileiras pudesse ser considerada hipótese de força maior ou fato do príncipe.

Em resposta à consulta, o Gabinete da Consultoria Jurídica da União Junto ao Ministério da Infraestrutura concluiu por meio do Parecer 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU que a pandemia poderia ser classificada como caso fortuito ou força maior, servindo de justificativa para eventuais pedidos de reequilíbrio dos contratos de concessão no setor de transportes.

Previsto pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, o mecanismo de reequilíbrio funciona como ferramenta de restabelecimento das condições contratuais inicialmente pactuadas entre administração pública e concessionárias; uma tentativa de garantir a readequação da remuneração paga pelos serviços prestados nas hipóteses em que fatos imprevisíveis provocam um desbalanceamento das relações contratuais originais.

O setor aeroportuário foi drasticamente afetado pela redução significativa da demanda de passageiros decorrente das medidas de isolamento social e do fechamento das fronteiras. Em razão da expressiva perda de receita, as concessionárias responsáveis pela operação dos aeroportos internacionais de Florianópolis, Porto Alegre, Galeão e Fortaleza pleitearam junto à ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) o reequilíbrio econômico-financeiro dos respectivos contratos de concessão.

Após reunião realizada em 10 de novembro, a diretoria da ANAC aprovou as revisões extraordinárias dos contratos, reconhecendo a queda da demanda de passageiros causada pela pandemia como fundamento para a recomposição econômica, seguindo a lógica já expressada em abril pela Consultoria Jurídica do Ministério da Infraestrutura. A recomposição dos valores de cada contrato será diferente e seguirá, em linhas gerais, as seguintes condições:


Aeroporto Internacional de Porto Alegre

  • Desequilíbrio reconhecido: R$ 119.441.744,26.
  • Forma de recomposição: (i) revisão das contribuições fixas e variáveis devidas pela concessionária a partir de 2020; (ii) majoração temporária de 15% das tarifas de embarque, conexão, pouso, permanência, armazenagem e capatazia; (iii) dedução dos valores devidos das outorgas1.


Aeroporto Internacional de Fortaleza

  • Desequilíbrio reconhecido: R$ 94.326.740.41.
  • Forma de recomposição: dedução dos valores devidos das outorgas2.


Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro/Galeão

  • Desequilíbrio reconhecido: R$ 365.660.555,03.
  • Forma de recomposição: dedução dos valores devidos das outorgas3.


Aeroporto Internacional de Florianópolis

  • Desequilíbrio reconhecido: R$ 37.193.403,34.

Forma de recomposição: (i) revisão da contribuição variável devida pela concessionária a partir de 2020; (ii) majoração temporária de 15% das tarifas de embarque, conexão, pouso, permanência, armazenagem e capatazia; e (iii) dedução dos valores devidos das outorgas4.

Embora aprovadas pela ANAC, as recomposições ainda passarão pelo crivo do Ministério da Infraestrutura, que terá a palavra final. Vale destacar que a majoração das tarifas para os aeroportos de Porto Alegre e Florianópolis é temporária e deixará de ser vigente no momento que a recomposição econômica com base na dedução dos valores das outorgas for suficiente para manter a operação e os investimentos dentro dos padrões originalmente previstos.

Embora a recuperação econômica das concessionárias seja crucial para a manutenção dos serviços de transporte aéreo em padrões mínimos de qualidade, a majoração das tarifas afetará o outro polo da relação que é formado pelos usuários dos aeroportos.

A ANAC tem se mostrado a agência reguladora mais ativa no combate aos efeitos da pandemia, e o reconhecimento da redução na demanda de usuários como argumento válido para revisão extraordinária dos contratos de concessão poderá servir de precedente para outros setores da economia, tal como o setor de infraestrutura de transporte terrestre.

É inegável que o momento é delicado e que as consequências da pandemia ainda estão sendo descobertas. A tendência é que as concessões futuras tragam mecanismos cada vez mais robustos e detalhados de revisão contratual na tentativa de prever eventuais cenários como o causado pela Covid-19. Além disso, é provável que as novas discussões envolvendo reequilíbrio econômico financeiro estejam ancoradas no argumento da diminuição da demanda, que pode ser compreensível e admitido em situações semelhantes a que vivemos atualmente, mas que também pode dar ensejo a um complexo debate sobre alocação dos riscos decorrentes da prestação dos serviços concedidos.

A única certeza que se pode ter em momentos de profunda instabilidade econômica é a de que a sociedade e o governo precisarão se reinventar constantemente para descobrir os métodos mais eficazes de enfrentamento dos novos desafios.


*Fábio Falkenburguer é sócio de infraestrutura do Machado Meyer Advogados.

**Vitor Barbosa, Marina Estrella, Pedro Amim e Lucas Scaff são Advogados do Machado Meyer Advogados.

1 Decisão ANAC nº 205, de 12 de novembro de 2020

2 Decisão ANAC nº 206, de 12 de novembro de 2020

3 Decisão ANAC nº 207, de 12 de novembro de 2020

4 Decisão ANAC nº 208, de 12 de novembro de 2020 

(Agência Infra - 01.12.2020)