Governo deveria realizar leilões específicos para energia
solar e usar encargos para financiar a fonte
Por Ana Karina Souza, Ricardo Assaf, Isadora Cohen e Laura Garcia*
O Brasil tem sido bem sucedido em iniciativas à viabilização de geração de
energia a partir de fontes renováveis. O Programa de Incentivo às Fontes
Alternativas – PROINFA é um exemplo recente que atesta a capacidade tecnológica
e organizacional do país para estimular tais fontes e a diversificação da
matriz energética nacional.
Assim, o Brasil caminha, ainda que a passos tímidos, para mais um avanço
no cenário de energia alternativa, desta vez, com enfoque na geração de energia
solar. Para que os resultados deste processo se tornem efetivos, há uma série
de desafios a serem vencidos. As expectativas são as melhores possíveis, em
vista das condições naturais e político-sociais brasileiras e frente a uma
paulatina conscientização global sobre sustentabilidade.
Embora não possua uma cadeia produtiva de sistemas fotovoltaicos
consolidada ou termossolares, contamos com uma das maiores reservas mundiais de
silício, insumo extremamente custoso, utilizado na fabricação dos painéis
fotovoltaicos. Isso sem falar na abundância da matéria prima principal: luz solar.
Não fossem suficientes as condições naturais positivas para o
desenvolvimento da fonte solar, a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016,
impulsionaram as discussões sobre o tema. Isto porque, como se sabe, as
autoridades olímpicas e desportivas exigem determinado padrão de geração de
energia elétrica aos países-sede: deve-se expandir a geração por fonte solar.
Neste sentido, importantes iniciativas vêm sendo carreadas pelo Poder
Executivo, bem como por agentes do setor, engajados em projetos de pesquisa e
desenvolvimento com intuito de aprimorar a regulamentação, especialmente quanto
à geração distribuída de energia solar.
A primeira delas foi a criação do Grupo de Trabalho de Geração Distribuída
com Sistemas Fotovoltaicos. Sua finalidade, alcançada, era a elaboração de
estudos e sugestão de critérios destinados a subsidiar uma proposta política
para utilização de geração fotovoltaica conectada à rede.
Outra contribuição significativa foi a abertura, pela Agência Nacional de
Energia Elétrica (ANEEL), de consulta pública que culminou com a apresentação
de uma Nota Técnica e subsequente aprovação, no dia 17 de abril, da resolução
normativa que, a um só tempo, regula a geração distribuída de micro e
mini-geradores de fontes renováveis, bem como o desconto nas tarifas de
transporte (TUSD/TUST), agora elevado ao patamar de 80%, para as unidades de
geração de fonte solar de até 30MW.
O texto inicial da Nota Técnica traçou, dentre outras coisas, um panorama
da situação da geração distribuída solar, indicando custos médios (R$ 600/MWh
para solar), barreiras técnicas e regulatórias para ingresso e comercialização
nos mercados de energia, dentre outros.
Os agentes participantes trouxeram importantes ideias para o enriquecimento dos
debates, que foi polarizado pelas distribuidoras e consumidores: Tarifas
Feed-in, a exemplo da já existente Conta de Desenvolvimento Energético, que
proporcionariam maior receita para o investidor em geração distribuída de
energia solar, mas que, ao mesmo tempo, demandaria um esforço dos consumidores
para bancar o subsídio; Net metering, que propiciaria um conceito de smart grid
a ser adotado no Brasil, por meio de medidores eficientes de energia elétrica;
e Certificados de Energia Renovável, os quais representariam um retorno ao
investidor pelo reconhecimento do benefício ambiental proporcionado pela
fonte solar, entre outras contribuições.
O texto aprovado adotou o conceito de Net Metering (agora rebatizado de
Sistema de Compensação de Energia Elétrica). Tal sistema permite que a unidade
de consumo, ligada a rede de distribuição e que possua um sistema de geração
próprio (proveniente de fonte renovável) de até 1MW, possa compensar a energia
gerada com a energia consumida da rede de distribuição e com isso adquirir
créditos de energia para abater nos próximos ciclos de consumo.
Os custos para a adequação técnica dos medidores, que deverão ser aptos a
realizar medições simultâneas de consumo e geração, ficará a cargo dos
consumidores. Já os créditos, no caso do volume de energia gerada ultrapassar o
montante de consumo, poderão ser utilizados pela própria unidade de consumo com
geração distribuída, bem como por outra unidade de titularidade do consumidor
ou que com ela componha uma comunhão de fato ou de direito, limitado a um prazo
de 36 meses.
A aprovação dessas novas regras é um passo importantíssimo à inserção
dessa nova e promissora fonte na matriz energética brasileiro. Certo também que
a regulamentação já enseja questionamentos como, por exemplo, a tributação
sobre montante de energia compensado – a ANEEL deixou a questão para a Fazenda
Nacional, apesar de ter sinalizado que entende ser a operação um mútuo e não
uma compra e venda–, a tarifa da energia gerada em GD para fins de cálculo da
compensação, a contabilização do eventual excesso de energia disponível à conta
das distribuidoras, assim como a operacionalização do sistema que tende a ser
um pouco complexa. Todavia, o regulador enviou a mensagem de que estará atento
e monitorando de perto as atividades de GD, no firme propósito de aprimorá-la e
torná-la uma realidade como já o é em diversos países do mundo.
Fora da esfera da geração distribuída, a ANEEL lançou a Chamada 13, de
2011. Esta estabeleceu os critérios para participação e os procedimentos para
elaboração de proposta de projeto sobre arranjos técnicos e comerciais para
inserir a geração solar na matriz energética brasileira. Tal projeto criará a
base para a formatação de atos normativos que viabilizem a geração solar.
Também se espera que suscitem a formação de parcerias estratégicas, otimização
de recursos energéticos e desenvolvimento de negócios sustentáveis.
Os investidores, por sua vez, seduzidos pelas expectativas de crescimento do
mercado de energia solar brasileiro, solicitaram à ANEEL o registro de
empreendimento de geração por esta fonte. A partir da segunda metade de 2011,
cerca de 30 agentes submeteram à agência projetos de geração fotovoltaica, o
que denota o forte interesse no desenvolvimento desta fonte, também pelo
particular.
Como se vê, o Brasil apenas iniciou o processo de diagnosticar os
aprimoramentos e políticas necessárias para o desenvolvimento da energia solar.
No entanto ainda falta muito para que o papel se transforme em mudanças
concretas, de forma a tornar o ambiente regulatório atrativo para investidores.
O Governo brasileiro precisa dar conta do ônus decorrente da inserção da
energia solar na matriz energética nacional, além de atuar como regulador. Para
tanto, o Executivo poderá fazer uso de encargos setoriais, além de outros
incentivos financeiros necessários. Eventualmente, seria importante a criação
de leilões para venda de energia exclusivamente solar e, até mesmo, a
participação direta do Governo na geração de energia de fonte solar, atuando
como empreendedor, por meio de suas estatais.
*Ana Karina Souza, Ricardo Assaf, Isadora Cohen e Laura
Garcia, são advogados do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados
(Energia Hoje - http://energiahoje.editorabrasilenergia.com
25.04.2012)
(Notícia na Íntegra)
