Plataformas de financiamento coletivo que dão acesso ao pequeno investidor a projetos de startups multiplicam-se no país, com aportes a partir de R$ 100. Mas é preciso cautela, já que o risco é altíssimo e o prazo, longo.

Felipe Datt | São Paulo

É tudo ou nada. Esse é o cenário que o investidor deve ter em mente ao colocar seus recursos no chamado "equity crowdfunding", modalidade de financiamento coletivo para startups, ou seja, empresas iniciantes com alto potencial de crescimento.

O apelo pode ser irresistível: tornar-se sócio, por exemplo do próximo Whatsapp, comprado no ano passado pelo Facebook por US$ 19 bilhões, ou seja, do futuro grande sucesso entre os negócios inovadores. Entretanto, conforme as próprias plataformas do segmento enfatizam, o risco é altíssimo, a liquidez, baixa, e o prazo, longo. Em geral, segundo investidores-anjo, especialistas na compra de participações em startups, a cada cinco empresas apoiadas, uma dá certo e paga o prejuízo das demais.

"Esse tipo de investimento não deve compor mais do que 10% do patrimônio de uma carteira e a sugestão é diversificar os aportes entre várias pequenas empresas. Pela própria natureza desses negócios, algumas terão grande sucesso e outras fecharão as portas", pondera Greg Kelly, sócio do serviço de equity crowdfunding EqSeed.

A boa notícia é que, com a rápida evolução das plataformas e uma ajuda do órgão regulador, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tem colaborado para a rápida análise e liberação das campanhas de arrecadação de recursos, o segmento já possibilita investimentos a partir de R$ 100, embora a maior parte das ofertas ainda tenha aporte mínimo de R$ 1 mil.

Para as plataformas, a grande força do equity crowdfunding é justamente tornar mais democrático o acesso de investidores a negócios iniciantes e, ao menos no papel, com potencial de crescimento turbinado. Mesmo que a chance de encontrar o próximo Whatsapp bem no começo de sua caminhada incerta para o bilhão seja muito pequena, há inúmeros exemplos de negócios mais discretos comprados por fundos de venture capital ou empresas maiores por somas milionárias. É o caso, por exemplo, de aquisições como a da Studiare, startup fornecedora de tecnologia voltada à educação, pela Kroton nesta semana por R$ 4,1 milhões, ou do Mooba, um serviço de reembolsos, incorporado pelo Reclame Aqui por R$ 3 milhões.

O modelo do equity crowdfunding é relativamente simples: as campanhas apostam na força da multidão para tentar viabilizar um plano de negócios com sucesso. Em contrapartida, o investidor pode se tornar sócio e compartilhar os louros (e dividendos), se o negócio for para frente, ou perder todo o capital, caso a startup não vingue.

O formato floresceu no Brasil nos últimos 12 meses, desde a estreia oficial das primeiras plataformas on-line de financiamento coletivo, o Broota e o EuSócio. Do início de 2014 para cá, o número de plataformas triplicou, as primeiras campanhas de captação terminadas ou em fase de captação já alcançam os dois dígitos e houve, por iniciativa do mercado, a criação de uma associação que trabalha na regulamentação desse segmento.

Estão na mira das plataformas, notadamente, investidores que gerenciam suas próprias carteiras, com conhecimento do mercado acionário e que desejam diversificar seus investimentos em direção a uma nova geração de empresas ascendentes. No radar estão também profissionais liberais e empreendedores que, além de retorno financeiro, buscam fomentar a cultura empreendedora no Brasil.

Pioneira no financiamento coletivo de pequenos negócios no Brasil, a Broota finalizou, desde junho de 2014, 13 campanhas de captação com mais de R$ 3,5 milhões em investimentos.

O valor inclui os R$ 700 mil levantados pela própria Broota em duas rodadas distintas, em um piloto que teve o objetivo de provar a efetividade do modelo antes do início da operação. "A ideia era mostrar que acreditávamos no modelo. Havia desconfiança se era algo juridicamente possível e se o mercado iria gostar. Depois disso, foram três meses para convencer a primeira empresa", diz o sócio Frederico Rizzo.

Na média, as captações já feitas somaram R$ 350 mil por startup, com a oferta de 15% do negócio. O investimento mínimo é de R$ 1 mil. Atualmente, há dez campanhas no ar e mais de 2 mil investidores cadastrados.

Na Broota, os investidores encontram em fase de captação startups como a Bougue, que define-se como um "marketplace" para reformas residenciais com garantia de serviços; a Made in Natural, um serviço de assinatura de entrega em domicílio de snacks saudáveis; e a Esthetic Green, uma franquia especializada em dermocosméticos multimarcas. As empresas, segundo o portal de equity crowdfunding, têm captado valores entre R$ 250 mil e R$ 1,2 milhão.

Na esteira do Broota, outras plataformas iniciaram as campanhas de captação. Caso da EqSeed, que após um ano e meio de desenvolvimento, foi lançada em junho de 2015. A primeira campanha de captação teve início no fim de setembro, para uma empresa capixaba de tecnologia de automação residencial, a Kokar, que, conforme o portal mostra, até o início desta semana obteve 15% de um investimento total de R$ 300 mil. "Os negócios com potencial de crescimento hoje estão baseados em tecnologia e internet. Mas estamos abertos para publicar campanhas de empresas de segmentos mais tradicionais da economia", diz o sócio Kelly.

De forma geral, as regras adotadas pelas plataformas estabelecem que a oferta tem um prazo definido - de três a seis meses, período superior ao de um crowdfunding tradicional de recompensa. Outra regra comum em todas as plataformas é o modelo "tudo ou nada": se a empresa não cumprir a meta de arrecadação ao final do prazo de vigência da oferta, o investimento simplesmente não ocorre.

Para uma startup conseguir abrir uma campanha em uma plataforma, a empresa passa por um processo semelhante a uma "due diligence". "Fazemos uma validação completa de dados legais sobre a empresa, além de verificar identidade e validar os dados sobre os sócios", explica Kelly, da EqSeed.

No Brasil, o equity crowdfunding não possui marco legal próprio, mas encontra respaldo legal na Instrução 400 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), publicada em 2003. As normas definem as diretrizes para ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários.

Com alterações ao longo dos anos, a instrução permite que micro e pequenas empresas realizem ofertas públicas de forma simplificada, com dispensa de registro de emissora, dispensa do registro da oferta e sem a necessidade de instituições financeiras intermediárias - na prática, as plataformas são prestadores de serviços de tecnologia. A instrução estabelece que a empresa pode se valer de ofertas com dispensa de registro até o limite de R$ 2,4 milhões em captações em intervalos de 12 meses.

Mas existem restrições para essa oferta simplificada. Conforme a Lei 123/2006, para se enquadrar como micro e pequenas empresas - e, portanto, poder levantar recursos por meio do equity crowdfunding - as startups tem de ter a natureza jurídica de uma limitada e não ultrapassar os R$ 3,6 milhões de faturamento anual. "A lei complementar impede que micro e pequenas tenham natureza jurídica de sociedade anônima, que seria o mais adequado para essa modalidade. Aí estavam as nossas amarras", diz o advogado da área financeira do Machado Meyer, Walter Pellecchia Neto, que assessorou plataformas como o Broota na definição do modelo de operação.

A "amarra", na prática, é a dificuldade de convencer o investidor a se tornar cotista de uma empresa limitada e cujo sucesso futuro é incerto - e, portanto, compartilhar os riscos de eventuais passivos trabalhistas ou fiscais. Para resolver a questão, o modelo adotado por plataformas como Broota e EqSeed consiste na emissão de títulos de dívida que poderão se converter em participação futura na investida. O modelo mantém o investidor como um credor durante a vigência do contrato, que pode chegar a cinco anos.

Ao final do período, de novo, o modelo é o "tudo ou nada" também para o participante. Se o negócio der certo, a empresa se converte em uma sociedade anônima de forma a entregar as ações prometidas e o investidor manifesta a intenção de se tornar um sócio. Ou o negócio fracassa e ele corre o risco de não resgatar a dívida.

A conversão pode ocorrer antes, em caso de eventos de liquidez, como na hipótese da venda do negócio para um concorrente, de um investimento qualificado de um fundo de investimento ou até um IPO. Na hipótese de o investidor não desejar se tornar sócio, poderá resgatar o dinheiro acrescido de juros acordados com a empresa no momento da oferta - em geral, na faixa de 3% ao ano. "Mas o investidor que busca rentabilidade em juros não deve investir na modalidade. No equity crowdfunding, o objetivo é ter retorno pelo crescimento da empresa e a valorização futura daquela participação. Ele se torna um sócio e recebe os dividendos", alerta o advogado.

O modelo de título de dívida conversível em participação não é o único. Na plataforma EuSocio, que projeta abrir as primeiras três campanhas de captação até dezembro de 2015, a estratégia adotada foi um contrato de investimento coletivo (identificado pela CVM como CIC), que dá ao investidor a opção de compra futura das cotas. "O modelo é semelhante ao de outras plataformas, mas sem a dívida. O padrão dos nossos contratos é de três anos para a validade de opção de compra das cotas, mas esse prazo é flexível", diz o gerente da plataforma, Bernardo Herzog.

A Start Me Up, plataforma que foi ao ar no início de outubro e que permite ao investidor alocar um mínimo de R$ 100, também escolheu o modelo de contrato de investimento coletivo. Em um primeiro momento, o investidor não se torna sócio, mas ao aportar capital ele pode ter participação nos resultados a partir do terceiro ano de vigência do contrato, que tem prazo de cinco anos. "Se o desempenho da empresa for positivo, o investidor é remunerado. A remuneração é atrelada ao faturamento bruto anual da empresa e tem um caráter próximo de royalties", diz o sócio Fábio Silva. Ao fim do prazo de vigência do contrato, o investidor poderá manifestar a intenção de converter o investimento em participação no capital social da empresa.

A CVM confirmou que colocará em audiência pública, até o fim do ano, um conjunto de regras para disciplinar a atividade e trazer maior segurança jurídica a empresas e investidores. Hoje, apesar de dispensar as pequenas empresas do registro da oferta, a autarquia obriga as empresas a notificar a intenção de realizar uma oferta sem registro.

Além disso, o material de divulgação da oferta de equity crowdfunding precisa ser previamente aprovado. Uma das novidades em discussão entre o órgão regulador e o mercado para a minuta é a padronização de informações. A ideia é que um conjunto mínimo de informações seja obrigatoriamente fornecido pelos empreendedores aos investidores.

A regulação também deve tornar mais claro o papel das plataformas, com a criação de requisitos básicos de constituição desses agentes, a necessidade de licenças de operação emitidas pela autarquia e mesmo a criação de uma nova figura jurídica para essa categoria. "Eventualmente, também serão ampliados os limites de captação anuais e, possivelmente, ocorrerá uma ampliação do limite de faturamento das micro e pequenas empresas emissoras", projeta o presidente da Associação Brasileira de Equity Crowdfunding, Adolfo Menezes Melito.

(Valor Econômico - 21.10.2015, p. D1)

(Notícia na íntegra)