O governo ainda discute como seráo processo de produção dos megacampos do pré-sal, mas o mercado já se antecipa e começa a debater questões jurídicas em relação às novas regras para produção de óleo no país. Um dos focos principais será a proposta em estudo pelo governo de desapropriar os campos já licitados caso os reservatórios se estendam para as áreas de propriedade da União, como O GLOBO revelou neste sábado. Essa discussão deverá consumir quilos de pareceres jurídicos contra e a favor, caso se concretize. Também gera polêmica a proposta de a Petrobras de unificar os blocos da Bacia de Santos, incluindo áreas da União.
— Nossa legislação só cita a possibilidade de unitização (unificação dos campos, devido à interligação das reservas de petróleo), mas não diz como ela deve ser feita. Ainda não existe nada em termos regulatórios que discipline os detalhes desse processo — diz o advogado Luiz Antonio Lemos, sócio da área de petróleo da TozziniFreire Advogados.
 
Se vingar a proposta da Petrobras de unificar todas as áreas do complexo da Bacia de Santos, os advogados advertem para a forma como serão operadas as áreas ainda da União.
— O governo não pode simplesmente atribuir essas áreas à Petrobras, pois, por ser uma empresa de economia mista, ela concorre em igualdade de condições com as demais empresas privadas. Teria de haver algum tipo de negociação, o que dá margem a polêmica — diz José Virgílio Lopes Enei, especialista em petróleo do Machado Meyer Advogados.
 
Um dos pontos mais sensíveis de toda essa discussão serão os direitos adquiridos pela Petrobras e suas sócias. As licitações já realizadas foram feitas com base na atual legislação e a mudança de regras em pleno jogo serão mal recebidas. Para o advogado Rui Barbosa, ex-procurador da ANP e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), as discussões envolvem acionistas minoritários da empresa, que podem ir à Justiça.
 
Por ser uma empresa de economia mista, a Petrobras tem 60% da posse de seu capital total (incluindo ações com e sem direito a voto) com o público em geral, que aplicou recursos na estatal contando com os ganhos da produção de petróleo. A posse das reservas de petróleo do pré-sal faz parte desse patrimônio e a desapropriação pode gerar controvérsias.
— Os minoritários, que são acionistas privados, podem até reunir um grupo só ou vários grupos e entrar na Justiça para dizer que a decisão do governo é totalmente ilegal porque contraria visivelmente a Lei do Petróleo que está em vigor — alega.
 
Outra discussão gira em torno do processo de criação da nova estatal para gerenciar os campos e os recursos do pré-sal. O governo terá que submeter o novo modelo e a nova estatal ao Congresso Nacional, em meio ao que advogados e consultores apontam como “ideologização” da discussão. É consenso entre advogados, Ministério do Planejamento e Casa Civil que é impossível que a empresa seja criada por decreto.
 
O Executivo poderá até editar uma medida provisória (MP), mas há grande risco político nessa opção. A Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) foi criada por MP e quase foi rejeitada no Senado. O advogado e sócio da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo, Marques Advocacia, Eduardo Ramires, entende que será preciso malabarismo político para justificar a urgência de uma MP:
— Do ponto de vista formal isto não seria um grande empecilho. Duro é justificar a urgência disto.
 
Há preocupação também em relação à convivência de dois modelos de exploração de petróleo. O governo já demonstrou intenção de manter o atual modelo de concessões para os campos do pós-sal. Para o pré-sal, porém, a tendência mais forte é o modelo de partilha da produção, no qual o governo contrata empresas para explorar o petróleo, fica com as reservas e paga um valor fixo. Advogados temem divergências no caso dos campos que estão nas “franjas” do pré-sal e podem se confundir com os que estão sob concessão.
— Os dois modelos convivendo junto podem criar uma confusão jurídica. O petróleo pertence ao mesmo tempo ao concessionário e à União — alerta um advogado de um dos maiores escritórios do país.
 
Para uma graduada fonte do mercado, a discussão da camada do pré-sal está se politizando, o que pode ser um risco para o processo legal. Ela disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma “raposa política” e este é um belíssimo tema na agenda para mais quatro anos de poder. De alguma forma, alerta, o presidente e seu grupo ficarão associados à defesa do slogan “riqueza do petróleo a serviço da sociedade”.
— A questão política é maior do que a econômica — diz.
 
Segundo um ex-executivo da Petrobras, o risco é o país perder credibilidade junto a investidores internacionais e ver a exploração da riqueza do pré-sal atrasar mais do que deveria.
 
Texto de Gustavo Paul e Mônica Tavares
 
(O Globo 23.08.2008)
 
(Notícia na íntegra)