Por Daniella ZagariNunca se viu tanto empenho da Fazenda Pública na cobrança de dívidas tributárias. Se a intenção é louvável, nem sempre os meios utilizados respeitam as regras do chamado devido processo legal. Isso gera insegurança, sobretudo, para o investidor, que pode se deparar subitamente com uma exigência tributária com a qual jamais contara, mesmo tendo realizado todos os procedimentos adequados de investigação prévia (a chamada due diligence).Ocorre que o Fisco, não conseguindo receber o pagamento da própria empresa contribuinte, busca responsabilizar terceiros para satisfazer o débito. No início, a investida foi contra os sócios e diretores da pessoa jurídica. Após muito embate nos tribunais, a jurisprudência deu a resposta, sintetizada na Súmula 430 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ela diz que o sócio-gerente ou administrador só se torna responsável pelo tributo não pago pela empresa se for comprovada sua participação pessoal: precisa ter praticado atos com violação à lei, fora de seu mandato, ao gerar a dívida. A existência da obrigação financeira exclusivamente por vicissitudes inerentes à atividade empresarial e em decorrência de seu exercício regular não autoriza a desconsideração de personalidade jurídica.A novidade agora é a tentativa de culpar outras pessoas jurídicas pela dívida, seja pelo argumento de que compõem um mesmo grupo econômico, seja pela alegação de que sucederam o devedor original. No primeiro caso, pondera-se que as empresas devem ser consideradas solidárias à devedora original por terem interesse na situação que originou a obrigação tributária. O raciocínio é perigoso e põe em risco um dos pilares do direito privado, que é o princípio da autonomia da pessoa jurídica. Felizmente, o STJ tem sido sensível à questão, entendendo que não há base legal para responsabilização no fato exclusivo de as empresas integrarem o mesmo grupo.No que se refere à sucessão, têm-se buscado acusar terceiros pelas mais diversas razões, entre as quais a alegada participação em mecanismos fraudulentos de esvaziamento do patrimônio do devedor original. Para tanto, muitas vezes violam-se as regras de prescrição: a Fazenda argumenta que não tinha como conhecer a fraude antes de determinado evento concreto (muitas vezes a certidão do oficial de justiça dando conta de que a empresa não funciona mais no local). Como se o Fisco não estivesse investido em tantos e quantos eficazes mecanismos de investigação e controle, ainda mais nos dias de hoje.Uma coisa é certa: em havendo simulação ou fraude, elas devem ser coibidas e aqueles que a praticaram devem ser penalizados. Contudo, a falcatrua não se presume; deve ser comprovada por quem a invoca. E a prova não é algo que se produza unilateralmente. Trata-se da reconstituição dos fatos perante o juiz, com a participação de ambas as partes. O Fisco não pode, como vem muitas vezes propondo, simplesmente afirmar a ocorrência de fraude para explicar a responsabilidade do terceiro e com isso promover a total inversão do ônus da prova, obrigando-o a demonstrar sua inocência em juízo, após o bloqueio de seu patrimônio em valor correspondente ao exigido. E mais: não pode querer fazê-lo a qualquer tempo, violando as regras de prescrição, sob o argumento de que não corre prescrição enquanto a Fazenda não conhece o fato.Espera-se que os tribunais venham a dar uma resposta rápida e satisfatória a essa questão. Num estado de direito, os fins não justificam os meios. Fraude não se presume. Deve-se proteger o adquirente da empresa de boa-fé. O instituto da prescrição é mecanismo importantíssimo para preservar a estabilidade das relações jurídicas e coibir a inércia. Se esses vetores não forem respeitados, o que seria louvável esforço de cobrança da dívida tributária converte-se em atentado contra direitos constitucionais fundamentais, em especial a segurança jurídica.Capital Aberto - out.2014