O déficit de geração hídrica (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês) deve custar R$ 39,7 bilhões às companhias hidrelétricas neste ano, segundo projeções da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) as quais o Valor teve acesso.
O montante é praticamente o dobro do custo do GSF de 2015, de cerca de R$ 20 bilhões. Naquele ano, esse problema chegou a travar o mercado livre de energia e o governo precisou publicar a Medida Provisória (MP) 688, convertida na Lei 13.203 de 2015, que criou uma alternativa de "seguro" para o risco hidrológico.
O problema não foi solucionado, pois não houve adesão das hidrelétricas contratadas no mercado livre. A questão saiu do foco do governo no ano passado, quando os preços de energia no mercado livre estavam mais baixos e houve boa hidrologia.
Em 2017, o cenário mudou. Para preservar os reservatórios das hidrelétricas no cenário hídrico desfavorável, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) despacha termelétricas na base e determina que as hidrelétricas gerem apenas um percentual da sua garantia física. A entrada crescente de eólicas também agrava a situação, pois menos energia hídrica é despachada. Levando em conta as projeções de oferta e demanda de energia, a CCEE calcula um GSF médio de 80,8% neste ano. Isso significa que as hidrelétricas só poderão gerar esse percentual de suas garantias físicas.
Por exemplo, uma hidrelétrica que tem 100 MW médios de garantia física só geraria 80,8 MW médios no período. Se a usina tiver contratado 95 MW médios, vai precisar comprar os 14,2 MW médios faltantes no mercado de curto prazo, pagando o preço à vista, que está na casa de R$ 400 por megawatt-hora (MWh).
Como o preço à vista médio estimado é de R$ 353/MWh para o ano, essa exposição deve chegar aos R$ 39,7 bilhões projetados pela CCEE. Desse montante, R$ 26,7 bilhões estão em contratos do mercado regulado.
Os R$ 13 bilhões restantes estão no mercado livre, o que agrava ainda mais a situação. Desde maio de 2015, muitos geradores conseguiram liminares que limitam os efeitos do GSF a zero ou 5%. No fim de 2015, o governo conseguiu encontrar uma solução para as hidrelétricas contratadas no mercado regulado, que abriram mão das liminares para repactuarem o risco hidrológico. A proposta do governo, porém, não foi considerada atrativa para os contratos das hidrelétricas no mercado livre. Essas empresas preferiram manter as liminares, enquanto discutem uma outra solução com o governo.
Isso já gerou uma inadimplência de R$ 1,6 bilhão até a última liquidação do mercado de curto prazo feito pela CCEE. Esse montante deveria ter sido pago pelas usinas por uma energia que foi consumida, mas não está sendo quitado. Considerando a projeção de GSF da CCEE, o montante protegido por liminares pode chegar a quase R$ 15 bilhões, inviabilizando totalmente as operações do mercado livre.
Na semana passada, representantes da CCEE e da Aneel se reuniram com agentes do mercado livre para tentar uma solução para o impasse. "Foi uma conversa no sentido de mapear as alternativas de como superar essa questão, que está dificultando o processo de liquidação, mas ainda não há nada de concreto. Essa já era a nossa expectativa, demos apenas um primeiro passo", disse, ao Valor, o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino.
"O tema deve estar correndo com urgência máxima, é uma conta muito alta. O mercado regulado saiu da conta, o que é importante, mas mesmo assim, o problema só cresce no livre", disse a advogada Ana Karina de Souza, sócia do Machado Meyer.
Outro ponto relevante para o governo é o papel da Eletrobras. A companhia é credora no mercado de curto prazo e tem cerca de R$ 1 bilhão a receber, segundo o Valor apurou. Além disso, Belo Monte é uma das poucas usinas que não conseguiu se proteger do GSF nos contratos no mercado livre, e está pagando uma exposição muito maior do que deveria devido ao rateio da inadimplência.
(Notícia na íntegra)