Por Morena Pinheiro / Brasília

Cada vez mais os tribunais brasileiros têm entendido que o sofrimento moral de uma vítima se estende também a seus familiares. Não há uma regra. Mas em alguns casos, é aplicada a tese do dano moral indireto, reflexo ou por ricochete.

Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que condenou o cirurgião plástico Nobonuri Matsuda a pagar indenização de R$ 200 mil ao companheiro de uma paciente, vítima de estupro. À mulher, a indenização foi fixada em R$ 300 mil.

Os ministros analisaram o agravo regimental ao recurso interposto pela defesa do médico que questionava o valor das indenizações (Resp 1457651). Não foi analisado pelo STJ o mérito do dano moral em si, entretanto o relator, ministro Luis Felipe Salomão, ponderou que, ′cada caso reveste-se de peculiaridades que lhes são muito próprias, tais como circunstâncias em que o fato ocorreu, condições do ofensor e do ofendido, além do grau de repercussão do fato no âmbito moral da vítima′.

Ao manter os valores da indenização fixados pela Justiça carioca, o ministro entendeu que não houve excesso. Pelo contrário. Segundo ele, o montante é proporcional à gravidade da ofensa, do grau de culpa e ao porte sócio-econômico do causador do dano. Além disso, não gerou enriquecimento indevido às vítimas.

Na jurisprudência brasileira há um consenso em não conferir indenizações muito elevadas de maneira a evitar que se crie uma indústria do dano moral. ′Os valores aplicados no Brasil são bem mais baixos dos que se vêem nos Estados Unidos, por exemplo. Neste caso há um quantia que não é comum, mas é cada caso tem uma análise distinta′, esclarece a sócia do escritório Machado Meyer, Cristiane Romano.

Primeira decisão

Na ação julgada em primeira instância, o Ministério Público opinou que ′o dano sofrido pela autora não está adstrito à esfera pessoal da vítima, o bem jurídico protegido pelo artigo 213 do Código Penal é a liberdade sexual do indivíduo, presumindo-se, portanto, que sua violação atinja também a dignidade e a honra de seu parceiro′.

O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Distrito Federal, Maximiliano Patriota Carneiro, explica que para o reconhecimento do direito ao dano moral indireto é preciso que se comprove o vínculo com a vítima. Pode ser filho, pais ou até mesmo avós.

No recurso ao TJRJ, a defesa do cirurgião plástico tentou provar que não havia ligação entre a paciente - vítima do estupro - e o autor do pedido de dano indireto e, por isso, não caberia indenização. Os magistrados, porém, ficaram convencidos das provas da união estável do casal.

Em 1996, o Nobonuri Matsuda foi procurado pela autora da ação para fazer uma cirurgia estética nas pernas. Ela comparecia as consultas sempre acompanhada do marido. Em um dos encontros, porém, não pode ir. De acordo com o processo, neste dia, a paciente teria sido estuprada depois que tomou uma bebida que causou sonolência.

O advogado das vítimas acusou o médico de ter provocado a situação e cometido o crime. Ao solicitar o dano moral indireto, a defesa do marido argumentou que ′sofreu repercussões negativas na esfera de seus direitos de personalidade′.

Ainda que não haja jurisprudência pacificada, o Judiciário tem concedido o dano moral indireto quando se prova a relação de parentesco. De acordo com o advogado Maximiliano Patriota Carneiro, os casos mais comuns têm sido em recusas de tratamento por parte dos planos de saúde. ′Os familiares têm tido êxito em alguns processos. No caso de estupro praticado por médico é mais difícil ter provas, às vezes a pessoa não fala, não quer se expor, mas não há dúvidas de que gera uma instabilidade emocional que afeta quem convive com a pessoa que sofreu o dano′.

Este foi exatamente o entendimento que teve o desembargador Elton Leme, relator na primeira instância, ao analisar recurso interposto pela defesa do médico no TJRJ. Para o magistrado, não só a vítima de um fato danoso que sofre a sua ação direta pode experimentar o prejuízo moral. ′No caso, o companheiro de forma reflexa sentiu os efeitos do dano padecido pela vítima imediata, amargando sofrimentos abalo psicológico e emocional na condição de prejudicado indireto pelo que faz jus à compensação moral′.

Quando não há vínculo

No STJ, os ministros têm aceitado a tese do dano moral indireto nos casos em que se comprova o vínculo direto com a vítima.

Ao analisar um recurso contra a Auto Viação Vitória Régia, em agosto de 2008, o ministro Luis Felipe Salomão negou o dano moral indireto a um noivo de uma vítima de acidente de trânsito. A jovem morreu e o rapaz entrou com uma ação em que pedia reparação pelo sofrimento causado. No voto, o ministro entendeu que o noivo não é parte para pleitear indenização.

′Conceder legitimidade ampla e irrestrita a todos aqueles que, de alguma forma, suportam a dor da perda de alguém - como um sem número de pessoas que se encontram na faixa do núcleo familiar - significa impor ao obrigado um dever também ilimitado de reparar um dano cuja a extensão será sempre desproporcional ao ato causador′, concluiu.

Em outro caso sobre acidente de trânsito, julgado em junho de 2014, os ministros da 1ª Turma do STJ mantiveram decisão em que se questionava o dano moral reflexo ou por ricochete. No processo em análise, o relator, ministro Napoleão Nunes Filho, negou provimento ao Agravo Regimental (Ag1212322) interposto pelo Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo que contestava decisão anterior em favor da esposa e do filho de uma vítima do acidente automobilístico.

Para o ministro, não havia dúvidas de que os dois foram moralmente abalados com a tetraplegia causada após o fato. ′A esposa jamais poderá dividir com o marido as vicissitudes da vida cotidiana, de seu filho, ou a relação marital. Ou ainda, o filho não será levado pelo pai ao colégio, ao jogo de futebol′, justificou o relator, no voto.

Em 2010, a ministra Nancy Andrighi também reconheceu a legitimidade do pedido de dano moral indireto aos pais de uma jovem que sofreu um atropelamento. Na decisão, a magistrada afirmou que eram ′perfeitamente plausíveis situações nas quais o dano moral sofrido pela vítima principal atinjam, por via reflexa, terceiros como seus familiares diretos, por lhes provocarem sentimentos de dor, impotência e instabilidade emocional′.

Jota