Gustavo Schor*Às 7h30 você sai com o carro da garagem, dobra a esquina e dá de cara com um monstruoso engarrafamento no acesso à avenida que corta o bairro onde mora. O desespero é instantâneo: "vou me atrasar para a reunião com o novo cliente", pensa. Liga o rádio na estação que só transmite informações sobre o trânsito, esperando um bom cristão indicar uma rota para escapar do caos. Cinco minutos depois, outro ouvinte vai ao ar, relatando que na exata avenida onde você se encontra há um acidente alguns metros adiante e que, se virar à direita no próximo semáforo, vai terminar numa rua estreita que dá acesso a outra via que leva ao centro, esta com boa condição de tráfego. Você só não levanta as mãos para o céu porque precisa delas no volante.A situação corriqueira descrita, mais que uma ingênua iniciativa de motoristas engajados, é exemplo de um novo fenômeno contemporâneo e uma interessante estratégia corporativa, o crowdsourcing, ou "poder das multidões". O termo, cunhado pelo jornalista norte-americano Jeff Howe, é uma variação da expressão outsourcing (terceirização, em inglês), para explicar o processo pelo qual o ímpeto de muitos (motivados por necessidade social ou emocional) pode ser canalizado para realizações antes restritas a grupos selecionados. Sob a ótica empresarial, é como dizer que a força produtiva necessária na cadeia do negócio, ou parte dela, é delegada não a uma empresa terceira, mas à sociedade.É interessante observar a atuação desse modelo na comunicação social, quando o caso da cobertura do trânsito torna-se especialmente emblemático. Antes reféns dos dados oficiais e de veículos formalmente instituídos, os cidadãos podem agora se beneficiar da experiência de todos os que com eles compartilham os espaços da comunicação.As companhias que adotam o formato do crowdsourcing também ganham com as novas possibilidades. Para a rádio em questão, por exemplo, o tal formato de produção participativo traz inúmeros benefícios: agregando à sua cobertura jornalística usual os fatos reportados pelos usuários do sistema de trânsito, veículos de mídia eletrônica e on-line ampliam sua precisão e capacidade de abrangência, o que enriquece sua programação e permite maior interatividade com a clientela.É fácil entender como a empresa ganha, mesmo financeiramente: produz conteúdo a partir da inteligência coletiva, sem pagar nada por isso, tendo a possibilidade de reduzir o número de repórteres, de helicópteros, de carros e equipamentos de transmissão. Além de "deixar de gastar", ou de "gastar menos", tem o potencial de amplificar receitas, já que melhora seu produto, aumenta a audiência, atrai mais anunciantes e, de quebra, ainda ganha reputação e simpatia ao assumir o papel de "aliada da população".Na prática, o crowdsourcing baseia-se na premissa da contribuição particular, pessoal, vinda da identidade intransferível e prática de cada um. Conforme Howe, "o crowdsourcing está enraizado, fundamentalmente, em princípios igualitários: cada indivíduo possui algum conhecimento ou talento que outra pessoa poderá achar valioso". Este fundamento garante a confiabilidade da informação produzida pela contribuição voluntária, da mesma forma que serve de estímulo para novas participações: "vou ajudar porque, depois, também terei ajuda".Ao se tornar comum a qualquer pessoa e ter um custo irrisório, a produção de conteúdos descentraliza e pulveriza o poder da informação. Por sua vez, ao ser liberto da opressão do interesse mercantil (pois agora aquela informação não precisa "vender", apenas ser útil), a geração de conteúdos pode se dedicar a todos os públicos, mesmo os menores, de interesses mais específicos, nichos que, anteriormente, não atraiam a atenção dos agentes econômicos.Para aplacar a comichão da futurologia, façamos um exercício retórico: juntemos as facilidades de uso das novas ferramentas digitais à liberdade de comunicação e lancemos isso na rede. Se o modelo da antiga caixinha de sugestões - a avó do crowdsourcing - já desembocou em um advento tão fantástico como a Wikipedia, imagine o que vem pela frente. *Gustavo Schor é jornalista, gerente de comunicação do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados e especialista em Gestão Integrada da Comunicação Digital pela Universidade de São Paulo(COMPUTERWORLD - http://computerworld.uol.com.br 24.11.2011)(Notícia na Íntegra)