Por Yuki YokoiNo dia 20 de agosto, foi homologado o mais recente aumento de capital da Forjas Taurus. A fabricante de armas e equipamentos de segurança vendeu novas ações e conseguiu levantar R$ 67 milhões. Dinheiro à vista, injetado diretamente no caixa. Nada mal para uma companhia que concentra resultados ruins. Seu prejuízo somou R$ 80 milhões no ano passado e já acumulou R$ 57 milhões nos seis primeiros meses de 2014. Ao fim de 2013, o endividamento alcançou R$ 819 milhões, dos quais 40% vencem no curto prazo. A bolada obtida na capitalização, no entanto, pode render à empresa uma série de problemas. Há diversos indícios de que Luis Fernando Estima, dono da Taurus desde a década de 1970, usou a capitalização como disfarce para alienar o controle da companhia.A investidora do aumento de capital foi a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), que com a operação alcançou 52,5% do capital votante e o posto de acionista controladora. Do ponto de vista econômico, a união fez sentido: a maior fabricante de munições do País tornou-se sócia da líder em produção de armas. Na forma, o aumento de capital também foi perfeito. Mas sua essência duvidosa levou a operação ao escrutínio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Conselho Administrativo da Defesa Econômica (Cade).Alvo certoA CBC é uma sociedade anônima de capital fechado cujo maior acionista, com 89,2% do capital votante, é a CBC Ammo LLC. Está sediada no estado americano de Delaware e, embora não haja informações públicas a confirmar a identidade de seu dono, o mercado dá como certo que o empreendimento é comandado por Daniel Birmann - seu filho Bernardo aparece como proprietário direto, com 9,2% da CBC. Birmann ficou conhecido por seu arrojo na aquisição de empresas problemáticas. Acumula condenações na CVM que vão de irregularidades em transações com partes relacionadas a falta de dever de lealdade. Foi inabilitado para o cargo de administrador de companhia aberta duas vezes pelo regulador: uma pelo período de dois anos, em 2005, e outra por cinco anos, em 2009. Nos últimos tempos, foi visto na Taurus com alguma frequência, o que rendeu boatos de que as duas empresas se juntariam. Em 14 de abril deste ano, Estima propôs o aumento de capital aos conselheiros. O board não referendou a ideia. Os representantes indicados pelos minoritários, detentores de quatro dos sete assentos do board, rejeitaram a proposta. Na época, o então controlador, com 16% do capital social (44% das ações ordinárias), enfrentava a pior fase de um entrave truculento com seus investidores - mais precisamente a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a gestora carioca Argucia e Joaquim Baião, ex-dono da corretora Geração Futuro. Eles haviam colocado em curso uma devassa nas contas da companhia e afirmavam estar prestes a demonstrar que o empresário a usava em benefício próprio.Detentor da maior fatia individual de ações, Estima decidiu ignorar a opinião do conselho. Chamou sozinho a assembleia (o benefício é assegurado a qualquer acionista com pelo menos 5% do capital social), argumentando que a operação capitalizaria a companhia e reduziria suas dívidas. Já detentor de 2,5% das ações ordinárias e 0,2% das preferenciais na época, Birmann compareceu pessoalmente ao encontro realizado no dia 29 de abril.  Votou a favor.No dia 11 de maio, a CBC divulgou fato relevante e notificou o Cade. Afirmou que pretendia adquirir, na bolsa de valores, 18% do capital social da Taurus e também subscrever ações no aumento de capital recém-aprovado. Dada a baixa liquidez dos papéis da Taurus, a compra em pregão de fatia tão relevante não seria simples. Em 2013, as ações preferenciais, as mais líquidas, movimentaram em média R$ 539 mil por pregão, segundo a Economática; as ordinárias, concentradas na mão do controlador, apenas R$ 32 mil ao dia. A despeito dessa dificuldade, para surpresa geral Birmann acumulou 16,8% do capital social da Taurus (15,6% em ações ordinárias) até a data da subscrição. As ações, ao que tudo indica, foram adquiridas de Estima. Entre os dias 23 e 27 de maio, o empresário se desfez de mais de 5 milhões de ações ordinárias em bolsa, que representavam 10,7% do capital votante à época.De posse dessa fatia do capital, Birmann decidiu subscrever as ações proporcionalmente. O direito de preferência é garantido a todos os acionistas, mas a data de corte do benefício é determinada pela companhia. O mercado tradicionalmente adota como referência o dia em que a operação foi aprovada (na assembleia geral ou na reunião do conselho de administração), para evitar que atos posteriores à deliberação alterem a subscrição. Na Taurus, porém, o objetivo era justamente esse. Prevaleceu a data de 27 de maio, véspera da subscrição.Insatisfeitos com os rumos da Taurus, os minoritários ficaram de fora e se deixaram diluir. A Previ, especificamente, estava impedida de adquirir os papéis: dona de 26,8% do capital antes da operação, a fundação de previdência opera acima do limite de alocação em ativos de renda variável e não pode comprar mais ações. Ao fim da capitalização, ficou com 19,4% do capital da Taurus (e apenas 7,3% em ONs). Estima, por sua vez, apesar de possuir 12,8% do capital (37,2% das ordinárias) às vésperas da subscrição e de ter, ele próprio, sugerido a operação, não comprou todas as ações a que tinha direito - sua participação passou a 12,1% do capital (23,2% em ONs). A combinação do apetite voraz de Birmann com a baixa adesão dos minoritários e o empurrão de Estima fez com que a CBC abocanhasse mais da metade do capital votante da fabricante de armas.Outra ajuda dada pelo empresário foi o preço de subscrição das ações, de R$ 1,38. O valor foi calculado com base na cotação das PNs no pregão de 9 de abril, apesar de o aumento de capital ter sido feito, quase que integralmente, por meio de ações ordinárias. Levando-se em conta a média das cotações nos 30 pregões anteriores, o valor se mostra ainda mais benevolente: embute um deságio de 31,78%.Caminho livreA denúncia dos minoritários é que toda essa articulação tinha um objetivo claro: transferir o controle da Taurus sem disparar uma oferta pública de aquisição de ações (OPA). Se optasse por uma venda tradicional de controle, Estima e Birmann correriam o risco de ter de computar na transação os gastos com uma OPA sob os moldes previstos no artigo 254-A da Lei das S.As. O dispositivo assegura aos minoritários o direito de vender suas ações por, no mínimo, 80% do valor pago pelos papéis do controlador - o chamado tag along. Embora não possuísse a maioria do capital votante, Estima sempre exerceu o comando através da soma de duas fatias de ações: uma em seu nome e outra sob o chapéu da Estimapar, veículo de investimento do qual detém 99% do capital. Prova disso é que, em conjunto, o empresário e a Estimapar se autodenominavam "veículo de controle" no estatuto social.Com o aumento de capital, Birmann e Estima livraram-se ainda de outros dois ônus. O primeiro escapou de uma poison pill estabelecida pelo estatuto da fabricante de armas. Ela exige a efetivação de uma oferta caso um acionista adquira pelo menos 20% de qualquer uma das >Eliana Chimenti, sócia do escritório Machado Meyer.Estima, por sua vez, se desvencilhou de cumprir o artigo 52 do estatuto social da Taurus, que prevê a conversão de todas as ações preferenciais em ordinárias caso a participação do empresário caia abaixo de 35% das ONs. O dispositivo foi incluído em 2011, quando a companhia migrou do ambiente tradicional para o Nível 2 da BM&FBovespa. Na época, minoritários liderados pela Previ aceitaram incorporar R$ 165 milhões em dívidas da Polimetal, holding que controlava a Taurus, em troca de melhores regras de governança e de uma diluição do controlador — a participação de Estima caiu de 94,1% das ordinárias para 44%. A fim de evitar que o empresário transferisse as dívidas da Polimetal e depois vendesse sua participação, os minoritários criaram a regra da conversão. Só que esse dispositivo, assim como a pílula de veneno fixada em 20%, não é disparado se a alteração da participação acionária for consequência de um aumento de capital.Apesar dos indícios de venda disfarçada do controle, não será fácil para os minoritários da Taurus provarem que ela aconteceu. A jurisprudência da CVM consagrou o entendimento de que uma alienação só se caracteriza quando é dispendiosa. E não existe nenhuma evidência concreta de que Estima tenha, por exemplo, transferido onerosamente seus direitos de subscrição — o artigo 171 da Lei das S.As. concede a qualquer acionista a possibilidade de ceder o benefício, mas não há regras que o obriguem a dar transparência desse tipo de negociação. Os R$ 7,5 milhões arrecadados por Estima com a venda de suas ações, pouco antes do aumento de capital, tampouco serviriam como prova. Ainda que a CBC tenha sido compradora de quase toda a monta, a negociação se deu na bolsa de valores. A rigor, qualquer acionista poderia ter interferido e arrematado os papéis à venda.Na jurisprudência, há um episódio antigo em que um aumento de capital pode ter sido usado para disfarçar alienação de controle. Em setembro de 1985, o dono da madeireira Manasa cedeu gratuitamente seus direitos de preferência num aumento de capital e permitiu, dessa forma, a ascensão de um novo bloco de controle. Os investidores teriam ficado sem a OPA não fosse por um detalhe: após a subscrição, o antigo dono, que remanesceu como minoritário, vendeu sua fatia aos novos proprietários abocanhando um prêmio de controle. O caso foi parar na CVM. Quase três anos depois da transação, a Manasa foi obrigada a concretizar uma OPA.ImpedidoPara frear as artimanhas que assolam a Taurus, a CVM fragmentou seus esforços de investigação em três processos. No SP 2014-280, iniciado após reclamação da Previ,apura se o voto de Estima na assembleia de 27 de junho foi abusivo. Na ocasião, os acionistas da Taurus foram convocados para avaliar as recomendações de um comitê especial. Criado em abril, o grupo tinha o objetivo de estudar possíveis medidas diante dos sucessivos desmandos de Estima. Entre as propostas colocadas em votação pelo comitê estava a abertura de uma ação de responsabilidade civil contra o empresário e os demais conselheiros, além da aprovação de contas dos administradores.De acordo com o artigo 115 da Lei das S.As., Estima não poderia votar por dois motivos: primeiro, porque era o alvo da ação civil; depois, por estar aprovando as próprias contas. Mas a CBC, que a essa altura já detinha mais da metade do capital votante, poderia, num acordo de cavalheiros, livrá-lo do processo. Poucos dias antes da assembleia, entretanto, o Cade suspendeu os direitos políticos da CBC. A lei de concorrência em vigor prevê que atos de concentração entre empresas verticalmente relacionadas, como é o caso, sejam previamente aprovados pelo órgão antitruste — o que não tinha ocorrido, uma vez que a ascensão da CBC foi gerada por meio de sucessivas operações na bolsa.De acordo com o artigo 115 da Lei das S.As., Estima não poderia votar por dois motivos: primeiro, porque era o alvo da ação civil; depois, por estar aprovando as próprias contas. Mas a CBC, que a essa altura já detinha mais da metade do capital votante, poderia, num acordo de cavalheiros, livrá-lo do processo. Poucos dias antes da assembleia, entretanto, o Cade suspendeu os direitos políticos da CBC. A lei de concorrência em vigor prevê que atos de concentração entre empresas verticalmente relacionadas, como é o caso, sejam previamente aprovados pelo órgão antitruste — o que não tinha ocorrido, uma vez que a ascensão da CBC foi gerada por meio de sucessivas operações na bolsa.Paralelamente, a CVM conduz o processo RJ 2013-11746, que apura indícios de fraude contábil. De todas as investigações em curso, esta é a mais próxima de um termo de acusação. Em 2012, a Taurus vendeu a subsidiária Taurus Máquinas por R$ 115,3 milhões, numa transação que envolvia o perdão das dívidas da Wotan, arrendatária das instalações da empresa controlada. Embora a venda tenha sido registrada no balanço, um ano depois o valor foi reduzido à metade, sob a justificativa de que a compradora, a SüdMetal, não tinha condições financeiras para honrar o trato. O desarranjo reverteu o resultado anual da companhia, transformando o lucro de R$ 41 milhões em 2012 num prejuízo de R$ 117 milhões. As outras duas envolvidas saíram bem do negócio: a SüdMetal ganhou um desconto  de 50%; a Wotan permaneceu com suas dívidas quitadas. Os minoritários, no entanto, acreditaram em um ganho com a venda que nunca se concretizou. Não se sabe quem é o dono da Wotan, mas a suspeita é de que seja o próprio Estima.O desenrolar dessas duas investigações pode subsidiar a CVM no processo 2014-4772, o mais incipiente de todos. Nele, o regulador pretende analisar o uso do aumento de capital para venda do controle. O mercado aguarda também o parecer do Cade nesse caso — o órgão antitruste precisa dar seu aval para que a CBC assuma o controle majoritário. Procurados, Forjas Taurus, Luis Estima, CBC e Daniel Birmann não concederam entrevista. Capital Aberto - out.2014, p. 16-20