O ano de 2019 foi marcado por grandes incertezas e inúmeros desafios para o direito ambiental brasileiro. Mudanças e evoluções legislativas e acontecimentos ao longo do ano geraram diversas demandas, ações e oportunidades de negócio em relação a temas variados, como mineração e barragens, mudanças climáticas, queimadas e desmatamentos, resíduos sólidos, licenciamento ambiental e desenvolvimento econômico com sustentabilidade.

Algumas alterações de competências e responsabilidades foram feitas logo no início do ano com a publicação da Medida Provisória nº 870 (convertida na Lei Federal nº 13.844/19) e do Decreto Federal nº 9.660/19, que transferiram o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O Mapa também recebeu algumas novas competências antes pertencentes à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), incluindo a identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas e quilombolas. Foi publicado ainda o Decreto Federal nº 9.806/19, que alterou a composição e o funcionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), reduzindo as vagas dedicadas à participação da sociedade civil.

Em janeiro, as atenções se voltaram para Minas Gerais, onde foi registrado um novo rompimento de barragem de mineração, desta vez na mina Córrego do Feijão. Como era de se esperar, diversas normas sobre segurança de barragens e prevenção de desastres foram promulgadas após o acidente, para endurecer regras vigentes no âmbito federal e estadual. Como exemplo, destaca-se a Lei Estadual nº 23.291/19, que instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens em Minas Gerais (PESB-MG), além da Resolução Conjunta Semad/Feam nº 2.784/19, que determinou a descaracterização de todas as barragens de contenção de rejeitos e resíduos alteadas pelo método a montante[1] provenientes de atividades minerárias em Minas Gerais. Já no âmbito federal, foi aprovada a Resolução da Agência Nacional de Mineração (ANM) nº 13/19, que estabeleceu medidas regulatórias adicionais para assegurar a estabilidade de barragens de mineração.

O ano foi marcado ainda por aumento significativo no número de queimadas e no desmatamento na Amazônia,[2] o que elevou o interesse e a influência internacionais no cenário ambiental brasileiro. Em resposta a crescentes pressões, o governo editou a Lei Federal nº 13.887/19, que alterou dispositivos do Código Florestal referentes à inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e no Programa de Regularização Ambiental (PRA). A nova norma estabeleceu a inscrição obrigatória no CAR por prazo indeterminado, dada a exigência desse cadastro para a posterior adesão ao PRA. O CAR é um registro público eletrônico, criado pelo Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/12), com o objetivo de auxiliar no controle do desmatamento e facilitar o monitoramento de propriedades rurais, por meio de um sistema nacional que afasta a necessidade de fiscalização in loco.

No fim de dezembro, o governo federal publicou uma série de decretos sobre o mesmo tema. Destacam-se: (i) o Decreto Federal nº 10.140/19, que dispõe sobre a estrutura do Comitê do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa); (ii) o Decreto Federal nº 10.142/19, que criou uma comissão executiva para desenvolver políticas destinadas ao controle do desmatamento ilegal; e (iii) os decretos federais nº 10.143/19 e 10.145/19, que instituem, respectivamente, o Fundo e a Política Nacional sobre Mudança do Clima e o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima.

De modo geral, as mudanças climáticas voltaram a ser foco de atenção do governo e da sociedade civil. Após anos adormecido, desde a decisão de não renovar o Protocolo de Quioto em 2012, o tema retomou sua força nos fóruns internacionais, como a Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-25), com a consequente reabertura de discussões sobre o mercado de carbono.

No Brasil, em termos de inovação de instrumentos de mercado para o meio ambiente, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou a Portaria nº 419/19, que regulamentou a forma de emissão, escrituração, negociação e vencimento dos créditos de descarbonização (CBios), conforme estabelecido pelo artigo 17 da Lei Federal nº 13.576/17 (Lei do RenovaBio). A norma reforça o potencial de expansão da capacidade agrícola do país, sem a necessidade de agredir o meio ambiente, estimulando a emissão e negociação dos CBios relacionados à produção de biocombustíveis (ex.: etanol, biodiesel, biogás, biometano e bioquerosene).

O ano de 2019 registrou também avanços legislativos extremamente importantes sobre o tema dos resíduos sólidos. Visando conferir mais transparência às atividades de monitoramento desses resíduos, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) implementou o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir) por meio da Portaria MMA nº 412/19. Destaca-se, ainda, a publicação da Portaria Interministerial nº 274/19, implementada em parceria entre o MMA, o Ministério de Desenvolvimento Regional e o de Minas e Energia. Com o objetivo de regulamentar a recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos (RSU), a norma torna obrigatória a elaboração de planos de contingência e emergência e de um plano de desativação para as usinas de recuperação energética.

Ainda sobre o tema dos resíduos, o MMA e diversas entidades representativas do setor finalmente assinaram em outubro o Acordo Setorial de Logística Reversa de Eletroeletrônicos, que prevê metas específicas para agentes do setor, como reinserção de materiais na linha produtiva, criação de pontos destinados a ações de conscientização para os consumidores e aumento no número de pontos de coleta desses produtos. A expectativa é que o cumprimento do acordo permita reduzir o descarte inapropriado de produtos e os impactos ambientais associados.

Ao longo do ano também ocorreram mudanças significativas no processo administrativo federal de apuração de infrações ambientais. Por exemplo, o Decreto Federal nº 9.760/19 alterou disposições do Decreto Federal nº 6.514/08, que trata das infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apurá-las. As grandes novidades foram a criação do Núcleo de Conciliação Ambiental (NCA) e a modificação do Programa de Conversão de Multas Ambientais.

No âmbito dos negócios, a Lei da Liberdade Econômica (Lei Federal nº 13.874/19), voltada para acelerar o crescimento do país, também teve repercussão no direito ambiental, com a adoção de medidas para desburocratizar o sistema de licenciamento ambiental. Elas dão mais celeridade e conferem boa-fé e legitimidade às informações prestadas por empreendedores e responsáveis técnicos.

O atual governo já manifestou a intenção de implementar novas medidas para acelerar ainda mais o licenciamento ambiental, fomentar o setor produtivo e reduzir os conflitos entre a pasta ambiental e o setor privado ou demais áreas do Executivo. Em 2020, portanto, espera-se a definição de novas regras para flexibilizar o licenciamento ambiental geral, vinculadas a um projeto de lei sobre o tema que tramita na Câmara Federal há 15 anos e pode ser votado a qualquer momento. O objetivo é conferir maior segurança jurídica aos processos de licenciamento ambiental, definindo os aspectos a serem avaliados e os prazos para manifestação dos órgãos competentes, incentivando práticas e iniciativas voluntárias voltadas para a boa gestão ambiental e delimitando a excessiva discricionariedade dos agentes públicos.

As discussões sobre a agenda ambiental devem ganhar, portanto, mais força no cenário nacional em 2020. Temporais, enchentes e queimadas registrados no início deste ano demonstram a clara necessidade de pautar os temas ambientais, visando aprimorar e fortalecer o arcabouço legal existente e o que aguarda votação. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já reconheceu a necessidade de fortalecer a agenda ambiental urbana, com enfoque em saneamento e gestão do lixo. Essa pauta também ganhará relevância com a tentativa do Brasil de ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E com a inclusão dos temas ambientais na agenda do governo federal desde o começo do ano, é certo que 2020 também será um ano de bastantes negócios, oportunidades e desafios para todos que atuam em direito ambiental.

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[1] Resolução Conjunta Semad/Feam nº 2.784/19, artigo 2, inciso IV: “método a montante: metodologia construtiva de barragens em que o material de construção é disposto a montante do eixo do dique inicial”.

[2] De acordo com o Greenpeace: “De janeiro a 20 de agosto, o número de queimadas na região foi 145% superior ao registrado no mesmo período de 2018”. (https://www.greenpeace.org/brasil/blog/amazonia-sob-ataque-queimadas-tem-aumento-de-145-em-2019/?gclid=EAIaIQobChMInu-mgNHR5wIVk4KRCh0jaQ3qEAAYAiAAEgIoT_D_BwE) Ainda, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), satélites registraram quase 90 mil focos de incêndio na região da Amazônia, 30% mais do que em 2018. (https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2020/01/08/amazonia-fecha-2019-com-89-mil-focos-de-queimadas-30-a-mais-que-2018.htm)