Resolução modifica regras de negociação com valores mobiliários e divulgação de atos e fatos relevantes

 

Por Alessandra de Souza Pinto, Clarissa Freitas, Raphael Zono, Giuliana Pescarolli Spadoni, Gabrielle Pelegrini e Helena Avanzi Leonardi

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, em 23 de agosto, a Resolução CVM nº 44, em substituição à Instrução CVM nº 358/02, que trata das regras para divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, restrições para negociação de valores mobiliários e divulgação de informações sobre negociações de valores mobiliários.

Com vigência prevista para 1º de setembro de 2021, a Resolução CVM 44 é fruto da análise de propostas enviadas por participantes do mercado, bem como das discussões promovidas pela própria CVM sobre o tema no âmbito da Audiência Pública nº 06/20.

A principal novidade trazida pela resolução foi a inclusão de um capítulo exclusivo para regular o ilícito de uso indevido de informações privilegiadas, promovendo um alinhamento entre a regulamentação e a jurisprudência do colegiado, de modo que as presunções que vêm sendo utilizadas nos julgamentos de casos envolvendo insider trading estejam previstas de forma clara na regulamentação.

Amparado pelo Decreto nº 10.139/19, o presidente da CVM, Marcelo Barbosa, entendeu que a criação de uma nova resolução e alterações na norma seriam mais eficientes: “A mudança traz mais clareza e previsibilidade aos agentes de mercado. O alcance e a interpretação da norma passam a ser menos dependentes do conhecimento de um corpo de decisões proferidas em casos concretos ao longo do tempo e mais diretamente acessíveis a partir da leitura de seu conteúdo”.[1]

Para caracterizar a prática do ilícito de uso indevido de informação privilegiada, o art. 13 da Resolução CVM 44 prevê uma série de presunções. As principais são:

  • A pessoa que negociou valores mobiliários dispondo de informação relevante ainda não divulgada fez uso de tal informação na referida negociação.
  • Os acionistas controladores (diretos ou indiretos), diretores e membros do conselho de administração e do conselho fiscal têm acesso a toda informação relevante ainda não divulgada. Além disso, essas pessoas, bem como aquelas que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, ao acessarem informação relevante não divulgada, sabem que se trata de informação privilegiada.
  • O administrador que se afasta da companhia dispondo de informação relevante e ainda não divulgada se vale de tal informação caso negocie valores mobiliários emitidos pela companhia no período de três meses contados do seu desligamento (na regra anterior existia uma vedação de seis meses para ex-administradores).
  • A partir do momento em que iniciados estudos ou análises, são relevantes as informações sobre quaisquer operações de reorganização societária, combinação de negócios, mudança no controle, cancelamento de registro de companhia aberta e mudança de ambiente ou segmento de negociação das ações de emissão da companhia, bem como acerca de pedido de recuperação judicial ou extrajudicial e de falência efetuados pela própria companhia.

Contudo, tais presunções são relativas, o que quer dizer que admitem prova em contrário, e podem ser utilizadas de forma combinada, conforme o caso. Elas devem ser analisadas em conjunto com outros elementos que indiquem se o ilícito de uso indevido de informação privilegiada foi ou não de fato praticado.

Essas presunções não se aplicam:

  • aos casos de negociações privadas de ações em tesouraria, no âmbito de remuneração baseada em ações a que fazem jus administradores, funcionários ou prestadores de serviços da companhia;
  • às negociações envolvendo valores mobiliários de renda fixa compromissadas, nas condições previstas na Resolução CVM 44; e
  • às subscrições de novos valores mobiliários emitidos pela companhia, sem prejuízo da incidência das regras que dispõem sobre a divulgação de informações no contexto da emissão e oferta desses valores mobiliários.

Com a inclusão das presunções que já vinham sendo aplicadas na nova resolução, abordando tanto seus respectivos conteúdos quanto os sujeitos aplicáveis, viabiliza-se um panorama mais nítido para a sua aplicação nos casos concretos. Assim, a consolidação de entendimentos e jurisprudência da própria CVM na nova resolução é benéfica, por conferir mais transparência e clareza aos agentes do mercado.

Dentre as outras mudanças trazidas pela Resolução CVM 44, destacam-se as seguintes:

Negociação por fundos de investimento exclusivos

A nova norma também prevê que negociações de fundos de investimento exclusivos são presumidas como decididas sob influência do cotista, admitida a prova em contrário. Essa presunção não se aplica aos fundos de investimento exclusivos cujos cotistas sejam seguradoras ou entidades abertas de previdência complementar e que tenham por objetivo aplicar recursos de plano gerador de benefício livre (PGBL) e de vida gerador de benefícios livres (VGBL) durante o período de diferimento.

Período de vedação autônoma

A Resolução CVM 44 manteve a proibição de que a companhia, os acionistas controladores, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal negociem com valores mobiliários de emissão da companhia, durante os 15 dias que antecederem a divulgação das informações contábeis trimestrais e demonstrações financeiras anuais.

No entanto, a regra agora deixa claro como deve ser feito o cálculo do período de 15 dias (excluindo o dia da divulgação, com negociações permitidas nesse dia somente após a divulgação das demonstrações financeiras) e que a vedação se aplica independentemente do conhecimento do conteúdo das informações contábeis trimestrais e demonstrações financeiras anuais por tais pessoas. Ou seja, trata-se agora de vedação objetiva, que independe da comprovação de se tais pessoas detinham ou não informação relevante ainda não divulgada ao mercado.

Os membros de comitês técnicos e consultivos foram excluídos da vedação, muito embora permaneça a restrição geral de não negociar com valores mobiliários de emissão da companhia em caso de conhecimento de informação relevante ainda não divulgada ao mercado.

A vedação não é aplicável nos casos de:

  • negociações envolvendo valores mobiliários de renda fixa compromissadas, nas condições previstas na Resolução CVM 44;
  • operações destinadas a cumprir obrigações assumidas antes do período de vedação decorrentes de empréstimos de valores mobiliários e exercícios de opção de compra ou venda por terceiros e contratos de compra e venda a termo; e
  • negociações realizadas por instituições financeiras e pessoas jurídicas integrantes de seu grupo econômico, se realizadas em conformidade com a política de negociação da companhia e no curso normal dos negócios.

Política de divulgação

A política de divulgação de ato ou fato relevante, cuja adoção era obrigatória para todas as companhias abertas, passa a ser obrigatória apenas para companhias que, cumulativamente:

  • sejam registradas perante a CVM na categoria “A”;
  • sejam autorizadas por entidade administradora de mercado a negociar valores mobiliários em bolsa; e
  • possuam ações em circulação (free float) de emissão da companhia, entendidas como todas as ações que não sejam de titularidade do acionista controlador e de pessoas a ele vinculadas, assim como aquelas detidas por administradores da companhia e as mantidas em tesouraria.

Dessa forma, pela nova norma, as companhias registradas na categoria “B” ou registradas na categoria “A” sem ações admitidas à negociação e free float estão desobrigadas de aprovar uma política formal de divulgação de informações.

 


[1] Ministério da Economia. “CVM atualiza norma sobre fatos relevantes”. https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-atualiza-norma-sobre-fatos-relevantes