O deputado Hugo Leal apresentou à Câmara dos Deputados, em 2 de abril, o Projeto de Lei nº 1.397/20, que contempla medidas de caráter emergencial, inclusive envolvendo alterações à Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências e de Recuperação de Empresas – LFR), para lidar com os efeitos relativos à pandemia de covid-19. A proposta é instituir medidas transitórias até 31 de dezembro de 2020, ou enquanto durar o período de calamidade pública reconhecido pelo governo federal no âmbito do Decreto Legislativo nº 6/20, com o objetivo de auxiliar os empresários e demais agentes econômicos a reestruturar seus negócios e minimizar os impactos da crise.
Entre as inovações trazidas pelo PL 1.397/20, destacam-se:
a) a instituição de um período de suspensão legal, por 60 dias a contar da vigência da lei, durante o qual ficam suspensas as ações judiciais, de natureza executiva, que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato;
b) a criação de um procedimento de jurisdição voluntária denominado negociação preventiva, que poderá ser ajuizado por agentes econômicos que preencham certos requisitos formais; e
c) alterações provisórias à LFR, que serão aplicadas somente aos processos iniciados ou aditados durante o período de vigência da lei proposta pelo PL 1.397/20.
De acordo com o texto do PL 1.397/20, as medidas previstas nos itens (a) e (b) acima serão aplicáveis aos chamados agentes econômicos, definidos no projeto como pessoas naturais e jurídicas que exerçam ou tenham por objeto o exercício de atividade econômica em nome próprio, independentemente de inscrição ou da natureza empresária de sua atividade. O consumidor, conforme definido no art. 2º da Lei nº 8.708/90, não integrará tal definição.
Suspensão legal
Durante o período de suspensão legal, além da suspensão das ações indicadas no item (a) acima, ficam também vedados os seguintes atos: (i) realização de excussão judicial ou extrajudicial de garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e coobrigações; (ii) decretação de falência; (iii) despejo por falta de pagamento ou outro elemento econômico do contrato; e (iv) resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado.
Esse período de suspensão não se aplica às obrigações decorrentes de contratos firmados ou repactuados após 20 de março de 2020.
Negociação preventiva
Findo o prazo de suspensão legal, o agente econômico que tenha redução igual ou superior a 30% de seu faturamento comparado com a média do último trimestre, conforme atestado por profissional de contabilidade, poderá ingressar por uma única vez com o procedimento de negociação preventiva. O pedido será distribuído ao juízo do local do principal estabelecimento do devedor.
Se concedido o pedido pelo juiz, mediante análise meramente formal dos requisitos necessários, continuarão suspensas as execuções contra o devedor pelo prazo máximo e improrrogável de 60 dias adicionais, permanecendo o devedor com as mesmas proteções aplicáveis ao período de suspensão legal abordado acima. Não caberá resposta, manifestação ou qualquer tipo de averiguação ou perícia sobre o pedido de negociação preventiva.
Durante esses 60 dias, o devedor buscará renegociar os termos e condições de suas dívidas, tendo eventuais acordos força vinculante apenas em relação aos credores que com eles concordarem. Caso seja de seu interesse, o devedor poderá contar com o auxílio de negociador que será custeado às suas próprias expensas. O negociador poderá ser pessoa natural ou jurídica, com notória idoneidade e capacidade professional.
O projeto estabelece que, caso seja ajuizado pedido de recuperação judicial na sequência, o período de suspensão legal deverá ser deduzido do prazo de 180 dias do stay period já previsto na LFR.
Alterações provisórias à LFR
Entre as alterações mais relevantes (e que certamente despertarão maior polêmica), o texto proposto suspende a eficácia de certos requisitos e prerrogativas de credores nas recuperações judiciais, extrajudiciais e falências, com destaque para os direitos contra terceiros garantidores e coobrigados durante o período de vigência das alterações provisórias.
Para os novos pedidos de recuperação judicial e homologação de plano de recuperação extrajudicial durante o período de calamidade pública em razão da covid-19, o projeto propõe a flexibilização de certos requisitos, como a permissão para novos pedidos por empresas que já tenham se beneficiado desses institutos sem restrição temporal e a redução do quórum para aprovação de recuperação extrajudicial para maioria simples dos credores envolvidos (hoje de 3/5).
Durante o regime transitório, o pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial poderá ser apresentado com a comprovação da anuência de credores que representem pelo menos 1/3 de todos os créditos de cada espécie abrangidos pelo plano, com o compromisso de, no prazo improrrogável de 90 dias contados da data do pedido, atingir o quórum previsto na LFR. Nesse ponto, parece-nos que a referência feita na atual versão do projeto ao artigo 163, inciso II, da LFR está equivocada, uma vez que o quórum necessário à homologação de plano de recuperação extrajudicial está previsto no caput do artigo 163 da LFR. Também é necessário esclarecer se o intuito do legislador nessa modalidade de ajuizamento antecipado foi manter o quórum de 3/5 ou se a verdadeira intenção é também flexibilizá-lo para maioria simples dos credores envolvidos.
O projeto também prevê a concessão de um stay period ao devedor em recuperação extrajudicial em face da(s) espécie(s) de credor(es) englobada(s) em cada recuperação. A LRF não prevê um período de suspensão para esse tipo de procedimento, mas a jurisprudência já o admitia. Permanece a dúvida sobre qual seria a duração dessa suspensão, especialmente porque o art. 6 referido no parágrafo 2º do art. 10 do PL 1.397/20 não prevê qualquer prazo. Isso leva a crer que tal parágrafo na verdade estaria se referindo ao art. 6 da LRF e, portanto, ao prazo de 180 dias.
No caso de falências, o limite mínimo para a decretação da falência pelo não pagamento de dívida foi elevado de 40 salários mínimos (ou seja, R$ 41,8 mil[1]) para R$ 100 mil.
As regras transitórias propostas no projeto de lei também afetam os procedimentos de recuperação extrajudicial, recuperação judicial e falência em curso: não são exigíveis por 120 dias as obrigações assumidas nos planos de recuperação homologados, ficando suspensa, durante esse período, a possibilidade de convolação da recuperação em falência em razão do descumprimento de obrigação prevista no plano. Além disso, os devedores poderão apresentar novo plano de recuperação incluindo créditos que sejam posteriores à distribuição do pedido de recuperação (normalmente excluídos desses processos). O projeto também estipula que os devedores terão direito a novo stay period, nos termos da LFR.
Em relação ao aditamento ao plano, o montante dos créditos originalmente detidos pelos credores, deduzidos os montantes eventualmente pagos, será considerado tanto para cálculo de montante a pagar quanto para cômputo de votos para aprovação do plano aditado.
No que diz respeito aos recebíveis, geralmente a mais líquida das garantias, o regime transitório objeto do projeto permite a liberação de 50% do valor em favor do devedor, à revelia dos credores que possam deter garantias sobre eles ou mesmo sua propriedade fiduciária. O projeto ainda prevê que seu fluxo original (trava) poderá ser restabelecido gradualmente a partir do 6º mês e em até 36 meses.
Para as microempresas e empresas de pequeno porte, o projeto estabelece regras mais benéficas ao devedor em caso de recuperação judicial, com plano especial prevendo o pagamento da primeira parcela em até um ano.
Perspectivas
A ser discutido pelo Congresso, o projeto certamente terá grande impacto e, em alguns pontos, apesar da boa intenção, pode acabar por trazer insegurança jurídica. Embora não tenha previsão para ser votado, ele deve ser uma das prioridades dos parlamentares.
[1] Com base no salário mínimo nacional vigente na data de publicação deste artigo, no valor de R$ 1.045,00, conforme previsto na Medida Provisória nº 919, de 30 de janeiro de 2020.