Dentro do pacote de medidas editadas pelo governo federal no dia 22 de março (Medida Provisória nº 927/20) para alterar diretrizes da relação de trabalho durante a pandemia de covid-19 no Brasil, três artigos alteram diretamente as regras de saúde e segurança de trabalho.

Segundo o artigo 15 da MP, fica suspensa a obrigatoriedade de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares enquanto durar o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º do texto. Eles deverão ser realizados, no entanto, em até 60 dias após o término do período de calamidade. Já o exame demissional será mantido em todas as dispensas sem justa causa e realizado em até dez dias da data de rescisão. A exceção são os trabalhadores que tiverem realizado o exame periódico nos 180 dias anteriores à data da dispensa. O prazo anterior era de 90 dias para as empresas que integram os grupos de risco 3 e 4 da NR-4 e de 135 dias para os grupos de risco 1 e 2 da mesma NR.

De acordo com §2º do artigo 15, o médico responsável pelo Programa de Saúde Ocupacional da empresa poderá indicar trabalhadores para a realização de tais exames, nos casos em que verificar que a prorrogação dos prazos possa gerar risco à saúde deles.

Trata-se de uma medida de bom senso, em consonância com as demais medidas contidas na MP, já que a situação atual demanda isolamento social e não seria prudente manter a obrigação de exames não urgentes durante período de calamidade pública.

Outro ponto de especial atenção alterado pela MP 927/20 foi a suspensão da exigência de treinamentos obrigatórios para a realização de algumas atividades, como os treinamentos da NR-12, 13, 18, 20, 23, 33, 35 e 36, que citamos como exemplos. Durante o período de exceção, ficam suspensos, portanto, treinamentos específicos para trabalho em altura, em espaços confinados, com combustíveis e inflamáveis, em caldeiras ou com vasos de pressão, assim como os treinamentos obrigatórios sobre medidas preventivas contra incêndios. O empregador poderá, no entanto, fornecer cursos a distância sobre esses temas, desde que verifique o conteúdo programático, conforme exige o §2º do artigo 16 da MP.

Eventuais acidentes em atividades consideradas como “atividades de risco” podem gerar responsabilidade objetiva dos empregadores, cabendo a eles provar a culpa exclusiva da vítima. Nesses casos, a ausência da obrigatoriedade de tais treinamentos no período de calamidade não poderá ser usada como argumento de isenção de responsabilidade.

Assim, é recomendável analisar esse artigo da MP com cautela: o empregador deverá verificar quais treinamentos não poderá oferecer remotamente e realizá-los em até 90 dias do término do período de calamidade pública, conforme prevê o §1º do artigo 16 da MP.

Por fim, no capítulo da MP que trata da suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, o trecho que pode gerar mais dúvidas para o empregador é o artigo 17. Pela sua redação, as comissões internas de prevenção de acidentes poderão ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública (ou seja, as investiduras que terminariam durante esse período poderão ser mantidas até que ele termine), e os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos.

A primeira dúvida possível é sobre o momento do início e do término da estabilidade em processos já iniciados e em comissões que teriam sua vigência encerrada durante a calamidade pública. Isso porque o empregado eleito para a CIPA por seus pares tem estabilidade desde o momento de sua candidatura até um ano após o término de sua investidura no cargo.

A suspensão do processo eleitoral não o invalida e não é causa de interrupção, ou seja, ao fim do período de calamidade pública, ele será retomado do ponto em que foi suspenso. Se já houver candidaturas formalizadas, os candidatos poderão ser considerados estáveis durante todo o período de calamidade pública. No mesmo sentido, a estabilidade dos atuais membros deverá ser prorrogada até o fim do período de calamidade pública, mesmo que seus mandatos se encerrem antes.

Em uma situação extrema, é possível que, em um mesmo período, existam empregados estáveis por serem membros da CIPA, estáveis por serem candidatos em eleições cujo processo já foi iniciado, além dos estáveis pelo período pós-mandato. É uma situação incomum que não pode deixar de ser analisada pelas empresas.

A segunda dúvida é gerada pela palavra “poderão”, uma vez que deixar a cargo do empregador a decisão de manter ou não a Cipa que teria sua vigência encerrada durante o período de calamidade e de suspender o processo eleitoral poderá gerar discussões futuras.

Não são novidade os diversos pedidos de dispensa discriminatória de empregados antes do início do processo eleitoral. Atribuir ao empregador o poder de suspender um novo processo poderá gerar esse tipo de alegação, caso as candidaturas não tenham sido registradas ainda.

Os três artigos estão alinhados com as demais medidas do governo federal para esse momento de crise, mas as dúvidas que eles deixam podem acabar prejudicando sua adoção pelos empregadores.