De acordo com dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho –[1] projeto do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Organização Internacional do Trabalho-Brasil (OIT-Brasil) –, em 2024, a Previdência Social gastou cerca de R$ 81,6 bilhões com benefícios relacionados a acidentes de trabalho, incluindo auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente e pensão por morte por acidente de trabalho.
Diante desse cenário, a Previdência Social tem intensificado esforços para recuperar parte desses recursos por meio mecanismos mais eficazes de fiscalização e responsabilização das empresas que descumprem normas de saúde e segurança do trabalho. Um desses esforços envolve o ajuizamento da chamada “ação regressiva”[2] contra empregadores, para reaver os valores gastos com esses benefícios.
A Justiça do Trabalho editou, em janeiro deste ano, o Ato Conjunto 4/25, para determinar que, quando houver sentença transitada em julgado que reconhece a culpa do empregador por acidente ou doença do trabalho, a União deve ser:
- intimada do trânsito em julgado da decisão; e
- incluída como terceira interessada na autuação do processo judicial.
Até então, havia apenas recomendação aos juízes para que encaminhassem à Procuradoria-Geral Federal (PGF) cópia de sentenças e acórdãos que reconhecessem a conduta culposa do empregador em acidente de trabalho.
A partir de agora, com a obrigatoriedade trazida pela nova regulamentação, aumenta o risco de empresas passarem a ser demandadas pelo INSS em ações regressivas.
Como consequência, empregadores poderão enfrentar grandes e inesperados impactos financeiros, decorrentes de condenação em ações regressivas. É possível que sejam obrigados a ressarcir, à Previdência Social, os valores gastos com benefícios pagos a empregados vítimas de doenças ou acidentes do trabalho.
Além disso, com a nova regulamentação, o INSS ganha um papel ainda mais ativo no controle dos benefícios pagos aos segurados: ao ser intimado sobre a decisão que reconhece a culpa do empregador em casos de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, o INSS poderá revisar a natureza do benefício concedido ao empregado.
Isso significa que, nesses casos, a Previdência Social poderá alterar a natureza do benefício de comum para acidentária, impactando diretamente o Fator Acidentário de Prevenção da empresa e seus custos com encargos previdenciários.[3]
Também por esse motivo, é fundamental que as empresas adotem uma visão estratégica da gestão de riscos ocupacionais, considerando as regras de saúde e segurança no ambiente de trabalho.
Do ponto de vista prático, diversas medidas podem ser adotadas não apenas para prevenir incidentes no ambiente de trabalho, mas também para demonstrar a ausência de culpa do empregador, em eventuais reclamações trabalhistas propostas por empregados ou ações regressivas propostas pelo INSS. Entre essas medidas preventivas, destacamos:
- Auditorias e inspeções: é essencial implementar auditorias internas e inspeções regulares, com checklists, nas instalações da empresa. A medida permite identificar e corrigir possíveis riscos à saúde e segurança, além de verificar o cumprimento das regras de saúde e segurança do trabalho. Ao longo do procedimento, é essencial identificar os riscos jurídicos, medidas de mitigação, assim como implementar planos de ação.
- Laudos técnicos ambientais atualizados e cumprimento das normas regulamentadoras (NRs): cumprir NRs e manter laudos técnicos ambientais atualizados e condizentes com a realidade do ambiente de trabalho é crucial. Assim como fazer a avaliação jurídica da constituição e do dimensionamento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) e do cumprimento das normas de ergonomia, entre outras.
- Treinamentos regulares: promover treinamentos periódicos para todos os empregados sobre práticas de segurança, uso correto de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e procedimentos de emergência aumenta a conscientização, além de capacitar os empregados a agir de forma segura. É importante que os treinamentos abordem também os aspectos psicossociais do ambiente de trabalho. Os treinamentos devem estar devidamente documentados, assim como a presença dos empregados, para eventual necessidade de produção de prova em processos futuros.
- Políticas de segurança: estabelecer e divulgar políticas claras de saúde e segurança, que incluam procedimentos a serem seguidos em caso de acidentes e orientações sobre como comunicar situações de risco. As políticas devem ser acessíveis e de conhecimento de todos os empregados.
- Comitês de segurança: por meio de comitês, os responsáveis pela área de EHS (Environment, Health & Safety) podem discutir questões de segurança, propor melhorias e monitorar a eficácia das medidas implementadas.
- Análise de acidentes e incidentes pretéritos: realizar análises detalhadas de qualquer acidente ou incidente que ocorra, identificando suas causas e implementando medidas corretivas para evitar recorrências. É recomendável que a assessoria jurídica da companhia acompanhe as investigações do incidente, para que possa prestar apoio sobre cumprimento da legislação e avaliar as consequências trabalhistas, previdenciárias e, eventualmente, aquelas decorrentes de responsabilidade civil da companhia.
- Boas práticas para promoção da saúde: implementar programas de promoção da saúde, como campanhas de vacinação, ginástica laboral, palestras sobre saúde mental e física, além de incentivar a prática de atividades físicas.
Enfatizamos que as medidas mencionadas acima são exemplificativas e deverão ser adaptadas às circunstâncias específicas de cada empresa.
É certo, entretanto, que ao adotar práticas que aprimorem os sistemas de gestão de riscos e promovam a melhoria contínua do ambiente de trabalho, o empregador não apenas cumpre com suas obrigações legais, mas também demonstra sua preocupação com a segurança e saúde de seus empregados.
Investimentos em saúde e segurança do trabalho têm se tornado, cada vez mais, partes essenciais de estratégias de gestão de riscos e sustentabilidade dos negócios.
[1] SMARTLAB. Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho. Acesso em 24 de junho de 2025.
[2] A ação regressiva é um tipo de processo judicial ajuizado pelo INSS contra empregadores que, por negligência no cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho, deram causa a acidentes ou doenças ocupacionais que resultaram no pagamento de benefícios previdenciários aos trabalhadores. Na prática, o INSS paga o benefício ao trabalhador, mas cobra judicialmente do empregador os valores pagos, quando fica comprovado que o acidente ou a doença foi causada por culpa da empresa. A ação regressiva está prevista no art. 120 da Lei 8.213/91.
[3] O cálculo do FAP, entre outros indicadores, leva em conta os registros de benefícios previdenciários concedidos aos empregados devido a acidentes ou doenças do trabalho relacionados aos riscos das atividades do empregador. Quanto maior o índice do FAP, maior será o RAT ajustado da empresa e, consequentemente, maior será o valor a ser recolhido a título de contribuições previdenciárias.