A busca pela equidade de gênero no ambiente corporativo brasileiro acaba de dar um passo histórico com a promulgação da Lei 15.177, de 23 de julho de 2025. A nova legislação estabelece a obrigatoriedade de uma reserva mínima de 30% de participação feminina nos conselhos de administração de empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e controladas, além de outras companhias em que o poder público detenha a maioria do capital votante.

Para as companhias abertas, a adesão é facultativa, mas a tendência é que a pressão do mercado e de investidores leve à adoção voluntária dessas práticas.

Cenário de transformação: da transparência salarial à paridade de gênero


A aprovação da Lei 15.177/25 não ocorre em um vácuo. Nos últimos anos, o Brasil já vinha avançando em políticas de equidade de gênero. Um marco importante foi a implementação do relatório de transparência salarial, que obrigou empresas a divulgar dados sobre remuneração, segregados por sexo e função, e informações sobre a presença feminina em cargos de liderança.

Essas medidas, além de promoverem maior transparência, criaram um ambiente propício para a adoção de políticas mais robustas de diversidade e inclusão.

A nova lei vai além, ao prever não apenas a presença de mulheres, mas também se referir explicitamente à inclusão de mulheres negras e com deficiência, que deverão ocupar pelo menos 30% das vagas reservadas para mulheres nos conselhos de administração.

O reconhecimento da mulher negra será feito por autodeclaração, de acordo com as diretrizes de inclusão e diversidade.

Implementação gradual: como as empresas devem se preparar


A legislação prevê uma implementação escalonada, permitindo que as empresas se adaptem progressivamente. Com a entrada em vigor da lei, deve-se observar:

  • Primeira eleição: as empresas deverão garantir que pelo menos 10% das vagas de membros titulares do conselho de administração sejam ocupadas por mulheres.
  • Segunda eleição: o percentual mínimo sobe para 20%.
  • Terceira eleição em diante: atinge-se o patamar definitivo de 30% de participação feminina, incluindo a obrigatoriedade de que, desse total, pelo menos 30% sejam mulheres negras ou com deficiência.

Esse modelo escalonado permite que as empresas revisem seus processos internos de recrutamento, sucessão e desenvolvimento de lideranças femininas, criando um fluxo robusto de talentos aptos a ocupar posições estratégicas. Os principais benefícios são:

  • Tempo para planejamento e adequação: as empresas ganham tempo para identificar, preparar e promover mulheres para cargos de liderança, evitando nomeações apressadas e pouco estratégicas.
  • Mudança cultural sustentável: a transição progressiva favorece a assimilação das novas práticas de diversidade e inclusão, promovendo uma mudança cultural genuína e duradoura.
  • Redução de riscos jurídicos e operacionais: o escalonamento reduz o risco de descumprimento imediato da lei, permitindo que as empresas ajustem seus estatutos, políticas internas e processos de governança de forma planejada.
  • Facilitação do monitoramento e comunicação: a evolução gradual dos percentuais facilita o acompanhamento dos indicadores de diversidade, permitindo ajustes contínuos e a correção de eventuais desvios ao longo do tempo.

Além disso, a legislação estabelece um critério de arredondamento que visa assegurar a equidade na composição dos conselhos, conforme descrito a seguir:

  • quando a fração resultante for igual ou superior a 0,5, deve-se adotar o número inteiro subsequente; e
  • quando a fração for inferior a 0,5, deve-se considerar o número inteiro imediatamente anterior.

Esse critério é fundamental, pois garante que, mesmo em conselhos com um número reduzido de membros, a representatividade feminina seja efetiva e substancial, evitando que sua presença se torne meramente simbólica.

Ao assegurar uma representação adequada, a norma permite que as decisões sejam tomadas em um ambiente de maior diversidade e inclusão, refletindo a importância da participação feminina em posições de liderança e governança. Assim, busca-se não apenas cumprir uma exigência legal, mas também fomentar um ambiente mais equilibrado e representativo, que valorize as contribuições de todos os gêneros.

A nova lei prevê ainda que o Poder Executivo poderá regulamentar programas de incentivos para estimular a adesão das companhias abertas à reserva mínima de vagas para mulheres nos conselhos de administração.

Essa possibilidade está expressamente prevista no artigo 6º da lei, que autoriza o governo a criar mecanismos de incentivo capazes de beneficiar empresas que não estejam obrigadas, mas queiram voluntariamente adotar medidas de promoção da equidade de gênero.

Dessa forma, o governo federal poderá desenvolver políticas públicas, benefícios fiscais, programas de reconhecimento ou outras iniciativas que visem ampliar a participação feminina em cargos de liderança, promovendo um ambiente corporativo mais diverso e inclusivo.

Fiscalização e consequências do descumprimento


A fiscalização do cumprimento da lei caberá aos órgãos de controle interno e externo das empresas abrangidas.

Caso a empresa não cumpra as cotas, o conselho de administração da sociedade empresária que infringir a lei será impedido de deliberar sobre qualquer matéria. Ou seja, caso o conselho não esteja devidamente composto conforme as cotas mínimas estabelecidas, ele perde sua capacidade de tomar decisões, o que pode paralisar a governança da empresa até que a situação seja regularizada.

Além da fiscalização direta, a Lei 15.177/25 fortalece a transparência e a prestação de contas como instrumentos de controle social e institucional, principalmente considerando que dispositivos da Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) e da Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei 13.303/16) foram alterados.

Com as mudanças feitas nessas duas normas, passou-se a exigir a divulgação anual de informações relativas a políticas de equidade, presença feminina em todos os níveis hierárquicos, remuneração segregada por sexo, além da evolução desses indicadores. A obrigação de transparência acaba facilitando o acompanhamento desses tópicos por órgãos fiscalizadores, acionistas e sociedade civil.

Tendências globais e impactos para multinacionais


O movimento por equidade de gênero não é exclusivo do Brasil. Diversos países europeus já adotaram cotas para mulheres em conselhos de administração. A discussão é constante em mercados desenvolvidos. Alguns exemplos:

  • Noruega. Pioneira na adoção de cotas, estabeleceu em 2003 a obrigatoriedade de pelo menos 40% de mulheres nos conselhos de administração de empresas públicas e sociedades anônimas de capital aberto.[1]
  • França. A Lei Copé-Zimmermann, de 2011, determinou a reserva de 40% das vagas nos conselhos de administração de grandes empresas para mulheres, com prazos escalonados para implementação.[2]
  • Alemanha. Desde 2015, empresas listadas em bolsa e com participação estatal devem garantir pelo menos 30% de mulheres em seus conselhos de supervisão.[3]
  • Espanha, Itália, Bélgica e Holanda. Esses países também adotaram legislações semelhantes, com percentuais variando entre 30% e 40% e prazos progressivos para cumprimento.[4]

Nos Estados Unidos, o cenário sofreu reveses recentes, que resultaram na revogação de diversas políticas federais de promoção à equidade de gênero, inclusive programas de incentivo à diversidade em conselhos corporativos.

Isso gerou incertezas para empresas brasileiras que têm controladora americana, já que, em muitos casos, políticas globais de diversidade que já foram extintas pela matriz americana são aplicáveis a essas empresas.

Oportunidades para as empresas e o papel do jurídico consultivo


A adequação à nova legislação não deve ser vista apenas como uma obrigação, mas como uma oportunidade estratégica. Diversos estudos internacionais[5] apontam que empresas com maior diversidade de gênero em cargos de liderança apresentam melhor desempenho financeiro, inovam mais e têm melhor reputação entre investidores e consumidores.

O papel do jurídico consultivo é fundamental nesse processo. É preciso revisar estatutos sociais, regulamentos internos, políticas de recrutamento e seleção, além de implementar programas de treinamento e sensibilização para garantir o cumprimento das cotas e a efetiva inclusão das mulheres, especialmente negras e com deficiência.

É fundamental analisar todas as etapas desse processo, desde o diagnóstico da situação atual, passando pela elaboração de políticas de equidade, até a implementação de mecanismos de monitoramento e comunicação, garantindo não apenas a conformidade legal, mas também a construção de um ambiente corporativo mais justo, inovador e competitivo.

Conclusão


A Lei 15.177/25 inaugura uma nova era para a governança corporativa no Brasil, ao alinhar o país às melhores práticas internacionais e responder à crescente demanda da sociedade por mais diversidade e inclusão.

Considerando que a fiscalização do cumprimento das cotas de gênero será realizada por órgãos de controle interno e externo – com sanções severas em caso de descumprimento, como a impossibilidade de deliberação do conselho de administração – e que a transparência e a prestação de contas passam a ser mecanismos complementares de controle mais relevantes, as empresas que se anteciparem e estruturarem suas políticas de equidade de gênero sairão na frente. Não apenas em termos de compliance, mas também de competitividade e reputação.

 


[1] Lei de Sociedades Anônimas (Public Limited Liability Companies), aprovada em 2003. Relatório oficial do governo norueguês (Gender Balance on Corporate Boards – The Norwegian Experience).

[2] Lei Copé-Zimmermann (Loi n° 2011-103 du 27 janvier 2011 relative à la représentation équilibrée des femmes et des hommes au sein des conseils d'administration et de surveillance).

[3] A Lei de Igualdade de Participação (Gesetz für die gleichberechtigte Teilhabe von Frauen und Männern an Führungspositionen, 2015).

[4] Cada um desses países tem legislação própria estabelecendo cotas, com percentuais variando entre 30% e 40%. European Commission, “Gender balance on corporate boards: Europe is cracking the glass ceiling” (Relatório da Comissão Europeia, atualizado periodicamente).

[5] McKinsey & Company. “Diversity Wins: How Inclusion Matters.” 2020. Credit Suisse Research Institute. “The CS Gender 3000: Women in Senior Management.” 2019. Catalyst. “Why Diversity and Inclusion Matter: Quick Take.” 2020.