O Tema 177 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) fixou o entendimento de que empregados das administradoras de cartão de crédito enquadram-se na categoria profissional dos financiários. Esse entendimento já é consolidado há anos. Nada mudou.

Apesar disso, o Tema 177 tem gerado bastante controvérsia nos últimos dias e, por isso, alguns esclarecimentos são essenciais para afastar interpretações equivocadas.

A tese fixada é muito clara: empregados de empresas administradoras de cartão de crédito são considerados financiários. Isso garante a esses empregados os direitos assegurados à categoria dos financiários, que têm convenção coletiva específica e são equiparados aos bancários para fins de jornada de trabalho, como determina a Súmula 55 do TST.

Apesar da clareza da tese, o caso escolhido pelo TST para a sua fixação tem dado margem para argumentos de que ela também se aplicaria a empregados de instituições de pagamento (IPs), enquadrando-os nessa mesma categoria profissional.

Por que isso aconteceu? Porque o caso julgado envolve a Fortbrasil Administradora de Cartões de Crédito S/A, que, apesar desse nome, hoje é uma instituição de pagamento. Seu nome atual, inclusive, é Fortbrasil Instituição de Pagamento S.A. Essa alteração, infelizmente, não foi considerada na definição do Tema 177.

Esse é o típico caso em que uma pequena diferença de fato faz toda diferença de direito.

Isso porque, do ponto de vista jurídico-regulatório, administradoras de cartão de crédito e instituições de pagamento não são instituições equivalentes. Muito pelo contrário.

O termo “administradora de cartão de crédito” era genericamente utilizado para se referir a sociedades que operavam  anteriormente ao regime jurídico específico fixado pela Lei 12.865/13 (que dispõe sobre os arranjos e instituições de pagamento).

Essas sociedades eram, em determinados casos, equiparadas às instituições financeiras, já que, nos produtos por elas oferecidos, estava embutido o componente de crédito. Tanto é que a Súmula 283 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que as administradoras de cartão de crédito são consideradas instituições financeiras.

Por outro lado, a Lei 12.865/13 estabelece que instituições de pagamento não são instituições financeiras e são expressamente vedadas de praticar qualquer uma das atividades privativas de instituições financeiras.[1]

Atualmente, inclusive, uma instituição de pagamento emissora de instrumento de pagamento pós-pago (cartão de crédito) não pode, ela própria, ofertar crédito rotativo e parcelamento das faturas. É necessário estabelecer parceria com instituição financeira devidamente autorizada para tanto.

Essa diferenciação é essencial do ponto de vista trabalhista e para aplicação do Tema 177.

Isso porque a categorização de empregados como financiários ou não pressupõe que seu empregador seja considerado uma instituição financeira, já que empregados financiários não são considerados uma categoria profissional diferenciada.

A jurisprudência do TST (e da Justiça do Trabalho) sobre o enquadramento de empregados de administradoras de cartão de crédito, portanto, não pode ser aplicada por analogia às instituições de pagamento criadas pela Lei 12.865/13.

As decisões que têm sido proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho e pelo próprio TST, inclusive, têm determinado que empregados de instituições de pagamento não podem ser enquadrados como empregados financiários. Vejamos alguns exemplos:

(...) ENQUADRAMENTO COMO FINANCIÁRIO – IMPOSSIBILIDADE – INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTO – OPERADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO (...), as atividades de emissão e gestão do cartão de crédito podem também ser exercidas por instituição não-financeira. Nessa hipótese, as operadoras de cartão de crédito atuam apenas como intermediárias entre o usuário final, o estabelecimento comercial e as instituições financeiras fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil. Nesse papel, caracterizam-se como instituição de pagamento, e não como instituição financeira, nos termos da Lei nº 12.865/2013. Julgado do Superior Tribunal de Justiça. (…) 4. Na hipótese, as atividades exercidas pelo Reclamante, tal como descritas no acórdão regional, são típicas de instituição de pagamento e/ou correspondente bancário, não se admitindo o enquadramento como instituição financeira. (TST, 0100753-34.2020.5.01.0026; relatora: Maria Cristina Peduzzi; data de publicação: 16/02/2024) (grifo nosso)

RECURSO DE REVISTA. (...) INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTO. ENQUADRAMENTO SINDICAL. FINANCIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. (...) 1. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional rejeitou o enquadramento do reclamante como bancário, (...) Contudo, entendeu possível seu enquadramento como financiário, (...) . 2. Merece reforma o acórdão regional, pois, nos moldes em que proferido, está em desacordo com iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que a operação de cartões e as atividades que antecedem os atos próprios das instituições financeiras, tais como análise de cadastros, processamento de dados, encaminhamento de propostas e documentos, ofertas de produtos e equivalentes, não configuram atividade bancária ou financiária. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, 00206345720215040741; relatora: Morgana de Almeida Richa; data de publicação: 06/09/2024) (grifo nosso)

O novo sistema de precedentes que tem pautado a atuação do TST ao longo de 2025 é essencial para a pacificação da jurisprudência, a segurança jurídica e um melhor ambiente de negócios.

Nesse novo contexto, cabe a nós, jurisdicionados e, especialmente, aos profissionais do direito interpretar e utilizar os precedentes corretamente, exercendo a advocacia de forma transparente e pautada na boa-fé – inclusive processual.

 


[1] Artigo 6º, § 2º, Lei 12.865/13: É vedada às instituições de pagamento a realização de atividades privativas de instituições financeiras (...).