Dando início à nossa série sobre o Marco Regulatório Trabalhista Infralegal, abordaremos neste artigo os seus impactos sobre o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas Infralegais.

Instituído pelo Decreto 10.854/21, esse programa foi criado para revisar, compilar e consolidar as normas trabalhistas infralegais (como decretos, portarias, normas regulamentadoras etc.). Com ele, o governo federal pretende promover maior alinhamento das normas trabalhistas com as políticas públicas de governo – em especial as de fomento à criação de postos de trabalho e à recuperação econômica – por meio da edição de atos normativos voltados para esse fim e da revisão dos existentes.

A criação do decreto visa ainda atender um desejo antigo dos que se beneficiam da legislação trabalhista, sejam empregados ou empregadores: descomplicar e desburocratizar o conjunto de regras hoje vigentes, para deixá-las em concordância com os demais regramentos que vêm sendo significativamente alterados desde a Reforma Trabalhista de 2017.

Apesar de ainda ser cedo para ter conclusões definitivas quanto a sua pertinência e eficácia (até pelo expressivo volume de atos revisados), à primeira vista, a medida promovida pelo Ministério do Trabalho e Previdência é muito bem-vinda. Considerando o amplo conjunto de normas infralegais que orientam não só as decisões judiciais e administrativas, mas, principalmente, as atividades empresariais, a simplificação pretendida pelo decreto é um alento para os que têm de mergulhar num mar infindável de normas, muitas vezes contraditórias, em busca de respostas simples para questões trabalhistas do dia a dia.

O programa compilará e organizará as normas trabalhistas infralegais de acordo com os seguintes temas (sem prejuízo de outros que poderão ser incluídos oportunamente pelo governo federal):

  • legislação trabalhista, relações de trabalho e políticas públicas de trabalho;
  • segurança e saúde no trabalho;
  • inspeção do trabalho;
  • procedimentos de multas e recursos de processos administrativos trabalhistas;
  • convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
  • profissões regulamentadas; e
  • normas administrativas.

Estão previstas tanto revisões periódicas sobre os temas – justamente para que o programa não perca a sua finalidade principal com o decorrer do tempo – como a edição de novas normas, as quais deverão atender aos preceitos da objetividade, clareza e simplicidade que o programa busca instituir.

Uma das maiores queixas em relação ao direito do trabalho brasileiro é que, mesmo após as profundas alterações promovidas pela Lei 13.467/17 (a Reforma Trabalhista), ele ainda tem pontos contraditórios – nas suas normas infralegais e na interpretação que lhe é conferida nas esferas administrativas e judiciais – que acabam por levar insegurança a sua aplicação.

A revisão e compilação dessas regras, portanto, é vista com bons olhos, já que visa aclarar os princípios que orientam as relações de trabalho no Brasil, por meio de conceitos mais objetivos e de fácil entendimento, até mesmo para tornar as regras mais acessíveis e transparentes a seus destinatários (trabalhadores, empregadores, sindicatos e operadores do direito). Com o programa, eles terão à disposição uma plataforma na qual será possível participar de forma mais direta.

Quanto às políticas públicas de governo, o programa busca aprimorar a interação do Ministério do Trabalho e Previdência com os administrados, mediante a integração de políticas de trabalho e previdência que tornem o setor privado mais eficiente e competitivo, além de harmonizar as normas trabalhistas e previdenciárias infralegais. Como exemplos, pode-se citar a criação do Livro de Inspeção do Trabalho Eletrônico (eLIT), que substituirá o livro impresso, tornando mais ágil a comunicação entre as empresas e a fiscalização do trabalho, e a marcação de ponto por exceção, que tende a facilitar o cotidiano dos setores de RH e Folha de Pagamento.

O decreto, porém, não foge a críticas, principalmente em razão da forma vaga como aborda alguns pontos: inegável que o cenário normativo trabalhista brasileiro é extremamente fértil (tanto assim que se justifica a criação do programa), mas não há menção ao alcance e à forma como as revisões bienais serão promovidas (será criada uma comissão para tanto? Em caso afirmativo, de que modo e por quem ela será composta?). E mais: uma vez que não está previsto qualquer mecanismo que vincule o Ministério do Trabalho e Previdência ao cumprimento da norma, há risco de todo o caráter revisional do programa cair por terra, caso não exista um comprometimento do órgão – o que dependerá, como o próprio decreto estipula, das políticas públicas que estejam em pauta na ocasião.

Portanto, ainda que seja necessária uma contínua revisão e compilação dos atos infralegais sobre direito do trabalho, até mesmo para mantê-lo relevante e em conformidade com as sucessivas alterações na forma de prestação do trabalho, o programa carece de diretrizes mais incisivas que garantam seu cumprimento pelo poder público, correndo risco de cair em desuso e se tornar mais uma medida com boas intenções, mas que não são levadas à prática.

Nas próximas semanas, continuaremos publicando artigos com o objetivo de explorar, de forma simples e prática, as principais alterações trazidas por decretos, portarias e instruções normativas, além de esclarecer os principais impactos para as empresas.

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