A aprovação da Emenda Constitucional 132/23 marca o fim da clássica guerra fiscal do ICMS, mas pode inaugurar outra disputa entre estados: aquela envolvendo o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Com a redução do espaço para incentivos ao consumo devido à padronização do IBS, o ITCMD pode se transformar em um novo vetor de competição federativa.

O crescimento desse imposto é expressivo. Em 2022, a arrecadação nacional ultrapassou R$ 19 bilhões, praticamente o dobro do volume de 2018, de acordo com o Boletim de Arrecadação dos Tributos Estaduais do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Alguns estados — especialmente após a EC 132/23, que permitiu progressividade até 8% — já aprovaram ou estudam elevar suas alíquotas. O Rio de Janeiro adotou faixas até o teto, enquanto São Paulo e Minas Gerais discutem projetos semelhantes. Outros estados, como o Espírito Santo, e o Distrito Federal ainda mantêm alíquotas entre 2% e 4%.

Esse quadro evidencia a migração do embate federativo. Se antes a guerra se dava por empresas e plantas industriais, agora são pessoas físicas e famílias que, incentivadas por diferenças de ITCMD, buscam transferir domicílio e ativos para estados com menor carga.

Escritórios e cartórios relatam grande aumento de operações sucessórias motivadas por esse diferencial tributário, antecipando movimentos de planejamento diante da perspectiva de aumentos.

O ITCMD sobre doações de bens móveis (como empresas) é devido ao estado em que reside o doador. Portanto, famílias empresárias poderiam mudar seu domicílio para um estado com alíquotas de ITCMD mais atrativas para fazer doações aos herdeiros, sem precisar alterar o local em que desenvolvem suas atividades empresariais. Com isso, impactariam as receitas tributárias do estado em que residiam antes.

O fenômeno ganha relevância adicional com a mudança da tributação do consumo: IBS e CBS passam a ser partilhados de acordo com o local do consumo final. Estados que atraem residentes de alta renda e forte capacidade de consumo passam a consolidar um ciclo virtuoso: além de elevar a arrecadação patrimonial, aumentam a fatia dos tributos sobre o consumo. Para estados menos atrativos, a perda é dupla — em receita sobre heranças e sobre operações de mercado.

Países da OCDE enfrentam dilema semelhante. Um relatório de 2021 – “Inheritance Taxation in OECD Countries” – demonstra que sistemas de alíquotas moderadas e regras estáveis têm melhores resultados arrecadatórios, enquanto políticas agressivas aceleram estratégias de elisão e migração patrimonial.

No Brasil, o efeito já se desenha: alíquotas elevadas estimulam relocação fiscal e, a longo prazo, podem levar a desequilíbrios federativos.

Nesse contexto, a simples elevação das alíquotas de ITCMD não significa, necessariamente, justiça distributiva ou aumento sustentável de receitas. Estados podem, paradoxalmente, perder arrecadação e fomentar disputas administrativas e judiciais, além de prejudicar o ambiente de negócios.

O Projeto de Lei 409/25 (PL 409/25), em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), representa um contraponto relevante. De autoria de parlamentares da base governista, o projeto estabelece um modelo progressivo com teto mantido nos 4% atuais, alinhando-se à experiência internacional e às melhores práticas de justiça fiscal.

Ao privilegiar equilíbrio, clareza e previsibilidade, o projeto evita a corrida arrecadatória e a fuga de patrimônios, mostrando que é possível modernizar a tributação patrimonial de forma inteligente e coordenada. Atualmente, o PL 409/25 encontra-se em fase de discussão nas comissões temáticas da Alesp.

O momento exige maturidade na revisão do pacto federativo. Priorizar harmonia entre estados, ambientes favoráveis e cooperação institucional é um caminho mais promissor que elevar o ITCMD ao limite permitido. Experiências recentes — no Brasil e no exterior — comprovam que o sucesso está na inteligência fiscal, na segurança jurídica e na moderação, e não em respostas simplistas guiadas apenas pelo impulso arrecadatório.