Laura Ignacio | São Paulo A dificuldade de caixa das companhias investigadas pela Operação Lava­Jato, assim como de suas fornecedoras, o crescimento do número de empresas em recuperação judicial (que oferece a segurança de não transmitir passivos ao comprador), aliada à alta do dólar têm atraído estrangeiros em busca de ativos brasileiros por valores mais baixos. O movimento tem se refletido nas áreas de fusões e aquisições dos grandes escritórios de advocacia do país que registram aumento no número de negócios assessorados. Advogados da área têm atendido clientes da Ásia, Europa e Estados Unidos interessados no momento favorável para compras. Os negócios não se resumem a pequenas cifras, mas envolvem a aquisição de unidades inteiras de produção, com foco principal nas áreas de infraestrutura, educação e saúde. Muitos investidores, porém, estão em compasso de espera e aguardam que os valores desses negócios possam alcançar valores ainda mais baixos. O escritório Demarest Advogados exemplifica o bom momento com duas operações recentes finalizadas pela banca. A venda de participação da Odebrecht Mobilidade para a Mitsui é uma delas. A Companhia vai operar a linha 6 do metrô paulistano, dois Veículos Leve sobre Trilhos (VLTs) e a Supervia ­ o que representa um investimento de R$ 16 bilhões. De acordo com Thiago Sandim, sócio da área de fusões e aquisições do Demarest, de 2013 a 2014, o crescimento do escritório na área foi de cerca de 15%. "Planejamos crescer pelo menos 12% neste ano em relação a 2014. Nos primeiros três meses, finalizamos 11 fusões e aquisições, volume maior do que o do primeiro trimestre do ano passado, com 8", afirma. Segundo ele, o setor de infraestrutura é o que mais chama a atenção, mas a falta de estabilidade regulatória ainda atrapalha. "No médio e longo prazo, o país será extremamente atraente, mas o capitalista quer saber a regra do jogo", diz. Já o advogado Alexandre Bertoldi, sócio do Pinheiro Neto, afirma que alguns negócios encaminhados que estavam suspensos em razão das eleições presidenciais voltaram a andar. Principalmente por causa da desvalorização cambial, os ativos já passam a ter preços mais atraentes no exterior. "Num ano de desvalorização de 35%, para quem olha o Brasil no plano de médio a longo prazo é uma grande oportunidade", diz Bertoldi. Ele explica que quando se faz uma fusão ou aquisição, a operação é feita com base na expectativa de crescimento. "O país tinha ficado caro. Agora, alguns negócios antes em andamento voltaram a acontecer com preço mais real porque o desconto é de 20% a 25%", afirma o advogado. "Da Ásia, há interesse tanto de investidores chineses quanto japoneses. Principalmente na área de energia ­ desde a geração hidroelétrica até ativos de óleo e gás da Petrobrás", diz. Outro ponto, diz, é que as medidas de ajuste fiscal agradaram o mercado. "O medo era de que o discurso continuasse na linha de negação do que estava acontecendo", diz. No Souza Cescon Advogados a procura dos estrangeiros não é diferente. Em 2014, a banca fez 30 operações de estrutura complexa com valores e participações relevantes. Neste ano, há 20 operações em andamento. Na área de saúde, a banca participa da aquisição da Nieli pela Loréal, em finalização, cujo valor não foi divulgado. No fim do ano passado, orientou a aquisição da participação majoritária da fabricante de fertilizantes Iara na Galvani, em um negócio de US$ 320 milhões. Neste ano, finalizou a assessoria para a compra de participação da Duotur pela CVC por R$ 228 milhões e a aquisição da PT Portugal pela Altice Portugal, do ramo de telecomunicações, por aproximadamente R$ 23,4 bilhões. A necessidade de fazer caixa das empresas investigadas na Lava­Jato ou das fornecedoras dessas companhias é um fator considerado pelos investidores. "Diversas obras importantes em andamento vêm sofrendo dois tipos de revezes: a diminuição do financiamento disponível no BNDES e a insegurança sobre a participação de companhias hoje envolvidas na Lava­Jato. Terá que haver uma substituição do capital que viria delas", afirma Joaquim Oliveira, um dos sócios da área de mercados e fusões e aquisições do Souza Cescon. No TozziniFreire, segundo a advogada Marcela Waksman Ejnisman, sócia da área de fusões e aquisições, há 34 operações em andamento. Ela diz que, em 2014, os americanos voltaram a investir no país, mas alguns esperam que os preços baixem mais. "Já há consultas sobre o setor de saúde em razão da Lei nº 13.097, deste ano, que autorizou a participação direta ou indireta de estrangeiros em hospitais e clínicas. Antes, só era possível a participação de empresas de fora em outros segmentos do setor como planos de saúde. No primeiro trimestre de 2015, o TozziniFreire assessorou fusões e aquisições que totalizam cerca de US$ 8 bilhões. Entre elas estão as assistências à Holcim Ltd na venda das ações para CRH (transação de US$ 7,4 bilhões) e à UPL ­ United Phosphorus (empresa indiana) na aquisição de 27% da UPL do Brasil Indústria e Comércio de Insumos Agropecuários S/A. Para a banca, isso significa um aumento superior a 50% em relação ao mesmo período de 2014. O aumento dos pedidos de recuperação judicial também vem atraindo os estrangeiros. "Se o plano de recuperação é aprovado, os credores podem vender ativos sem que as contingências acompanhem esses ativos. Isso abre o apetite dos investidores", afirmam Guilherme Malouf e Gustavo Rugani, sócios do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, respectivamente, nas áreas de M&A e mercado de capitais. Segundo os advogados, tanto a procura por brasileiros como estrangeiros por esses ativos já começou. Por outro lado, em relação ao setor de consumo ou varejo, há um certo clima de pessimismo. "Esses segmentos ganharam muita força nos últimos quatro anos, mas com a diminuição do crédito para o consumidor de baixa e média renda e o fim do IPI reduzido, isso esfriou", diz Malouf. No ano passado 55 operações de fusões e aquisições foram concluídas pelo Machado Meyer e a expectativa para este ano, apesar da recessão, é que mercado continue aquecido. Do ponto de vista do mercado de capitais, em relação à emissão de bonds (títulos de dívida), a situação da Petrobras tem influenciado o mercado como um todo, segundo Gustavo Rugani. "É a Petrobras que costuma abrir o mercado de bonds no Brasil. Enquanto não forem publicadas as demonstrações financeiras da companhia, esse mercado permanecerá fechado", diz.Valor Econômico - 22.04.2015, p. E1