A votação do projeto de lei que
responsabiliza empresas pela prática de corrupção, que estava marcada para o
dia 9, foi novamente adiada, agora para 23 de maio. A decisão foi tomada diante
da enorme resistência de setores empresariais - principalmente de empreiteiras
- à aprovação da proposta.
O Projeto de Lei (PL) nº 6.826,
tramita em caráter conclusivo na comissão especial criada pela Câmara dos
Deputados para avaliar a proposta. Mas, diante do temor de que haja um
requerimento para que ele seja encaminhado ao plenário da Câmara, o relator, o
deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), postergou a votação na comissão.
"Isso poderia adiar definitivamente a aprovação do projeto", diz.
O principal dispositivo do projeto de
lei é a possibilidade de responsabilização objetiva, tanto na esfera civil
quanto na administrativa, de empresas que praticarem atos lesivos à
administração pública ou que atentem contra o patrimônio público nacional ou
estrangeiro. Na prática, significa que, se o projeto for aprovado e a lei
entrar em vigor, não será necessário provar, na esfera administrativa ou
judicial, que a empresa cometeu ilegalidades. Bastará que se prove que ela foi
beneficiada pelos atos ilícitos cometidos por seus representantes - como fraude
em licitações, pagamento de propina a agentes públicos e uso de laranjas para
ocultar a identidade dos verdadeiros beneficiados de uma operação, entre
outros.
Hoje a legislação brasileira permite
apenas que pessoas físicas sejam punidas por corrupção, mesmo que tenham agido
em benefício de uma empresa. A punição para a empresa restringe-se à inserção
de seu nome no cadastro de empresas inidôneas, que impede que elas participem
de licitações e contratem com o setor público por um determinado período.
Chamado de "PL anticorrupção", o projeto vai além da declaração de
inidoneidade. Ele aumenta as possibilidades de punição de empresas por
corrupção ao prever a aplicação de multas de 0,1% a 20% de seu faturamento
bruto, a proibição de contraírem empréstimos em bancos públicos, a rescisão de
contratos com os governos e até mesmo a suspensão de suas atividades.
O projeto foi elaborado pelo
Executivo em 2010 para garantir que o Brasil cumpra dispositivos previstos em
convenções internacionais de combate à corrupção dos quais é signatário - como
a convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
ratificada em 2000. A proposta também veio na esteira da Operação Castelo de
Areia, deflagrada pela Polícia Federal em 2009 para investigar indícios de
crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção e financiamento
ilegal de campanhas eleitorais supostamente cometidos pelo comando da
construtora Camargo Corrêa.
De acordo com o advogado Bruno Maeda,
sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe e um dos coordenadores do comitê
anticorrupção e compliance do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial
(Ibrademp), dos países que assinaram a convenção apenas Brasil, Argentina e
Irlanda ainda não aprovaram leis que possibilitem a punição de empresas.
"A corrupção é um câncer social, é o mal do século", diz o advogado Leonardo
Machado, do escritório Machado, Meyer Advogados, que também acompanha o
projeto. "Estamos com a faca e o queijo na mão para aprová-lo."
Na comissão especial, o substitutivo
ao PL 6.826 recebeu diversas emendas, muitas delas derrubando a previsão de
responsabilidade objetiva das empresas. As emendas foram recusadas pelo
relator, e agora o projeto corre o risco de ser levado ao plenário da Câmara -
para isso basta o requerimento de 52 deputados (10% da Câmara). Uma vez no
plenário, a proposta pode ser alvo de diversas manobras para obstruir sua votação.
"Não é uma questão de bancada e nem de base aliada", afirma o
deputado Carlos Zarattini, para quem há "interesses econômicos muito
fortes que prevalecem nesses momentos". "Inúmeras empresas enviam à
comissão a informação de que estão descontentes com o projeto."
Para evitar que a proposta vá ao
plenário e perca a condição de prioritário que possui hoje, Zarattini está em
negociações com os deputados que fazem parte da comissão. Ele diz que pediu aos
parlamentares que apresentem suas propostas para que o projeto possa ser
votado, ainda que com algumas concessões. O relator acredita que o momento
político é favorável - mesmo que não seja possível punir eventuais empresas
apontadas pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga as
relações de agentes públicos e privados com o esquema de exploração ilegal de
jogos de azar de Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, já que os fatos
em investigação são anteriores à lei.
(Valor Econômico 04.05.2012/Caderno A8)
(Notícia na Íntegra)