As distribuidoras de energia elétrica estão tentando reverter o entendimento que se formou entre a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a leis estaduais aprovadas na pandemia que suspendem o corte de energia para consumidores de diversas categorias. As empresas temem que as medidas agravem sua situação de caixa, já prejudicada pela redução de mercado e pelo aumento da inadimplência.

O placar já é desfavorável para elas no julgamento de uma liminar pedida pela Abradee (associação das distribuidoras) contra a lei nº 20.187/20 do Paraná. No plenário virtual, o relator do processo, Marco Aurélio Mello, votou para indeferir a liminar. O ministro considerou que o legislador estadual não usurpou a competência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e entendeu que a lei "complementa" a disciplina federal, "sob o ângulo da ampliação da proteção do consumidor". O voto foi acompanhado por cinco ministros: Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Celso de Mello.

Até então, apenas Gilmar Mendes divergiu do relator. Para ele, a lei transcende a esfera do direito do consumidor por ter impacto direto sobre as receitas das empresas, e, portanto, sobre o equilíbrio econômico-financeiro das concessões - matéria que cabe ao poder concedente legislar. O processo foi suspenso no fim da semana passada por um pedido de vista de Dias Toffoli.

Essa é a primeira ação direta de inconstitucionalidade (ADI) a ser julgada de um total de seis ADIs ajuizadas pela Abradee sobre o tema. Há leis semelhantes à do Paraná em Santa Catarina, Rio de Janeiro, Roraima e Rondônia.

"É preocupante, porque tínhamos uma postura do próprio STF dizendo que os estados não podiam regular sobre assuntos de energia elétrica que cabem à União", diz Marcos Madureira, presidente da Abradee. "Sabemos que os consumidores estão passamos por dificuldades, respeitamos que eles possam ter um tratamento diferenciado. Mas ao mesmo tempo temos que entender que essas leis têm impacto, seguramente aumentarão a receita irrecuperável do segmento de distribuição".

Para fazer frente às dificuldades geradas pela crise, as distribuidoras terão acesso a um empréstimo da ordem de R$ 16,1 bilhões que está sendo negociado pelo BNDES junto a um "pool" de bancos. Porém, a chamada "Conta Covid" tem como objetivo resolver uma questão financeira de curto prazo, garantindo o fluxo de pagamentos de toda a cadeia e a distribuidora é a "porta de entrada" dos recursos do setor e retém cerca de 20% do que arrecadam. O tratamento dos efeitos econômicos da pandemia às concessões ficou para um segundo momento e a indefinição sobre como esse processo se dará tem preocupado as empresas.

Advogados se dizem surpresos com a maioria formada para indeferir a liminar, até porque a Aneel já vem dando respostas para proteger os consumidores. São exemplos a Resolução 878, que proibiu temporariamente o corte de energia por inadimplência para residências e atividades considerada essenciais, e a medida provisória nº 950, que concedeu isenção tarifária para a Tarifa Social durante a pandemia.

"Se nenhum ministro se sensibilizar e mudar seu voto, cada estado vai ter sua forma de tratar a questão da inadimplência. Fica muito difícil de as empresas se organizarem, fazerem previsões", afirma Cristiane Romano, sócia do Machado Meyer.


Para o diretor jurídico da Abradee, Wagner Ferreira, a decisão, se confirmada, pode abrir um precedente ruim para que outros estados passem a legislar sobre o setor elétrico nesse período. "Apresentamos [ao STF] a preocupação de que esse voluntarismo se torne regra, e a gente perca o controle de um serviço federal."

"O sinal de longo prazo é muito perverso", diz Livia Amorim, sócia do Souto Correa Advogados. Ela afirma que as leis estaduais envolvem elementos centrais do equilíbrio das concessões e que, do ponto de vista do investidor, é temerário que um segundo ente possa legislar sobre esse assunto.


Jornalista: FUCUCHIMA, Letícia

(Valor Econômico - 29.06.2020, p. B3)