Por Leo Branco, Renato Andrade e João Sorima Neto

No jargão de policiais Brasil afora, a expressão “puxar a capivara” significa fazer o levantamento da ficha corrida de um sujeito para averiguar se ele tem culpa no cartório. Nessas horas, é praxe ir atrás de informações criminais bem como checar aqui e ali a reputação da pessoa em bancos de dados públicos, tais como birôs de crédito e instituições financeiras.

Nos últimos anos, o hábito de “puxar a capivara” virou praxe em mais um ambiente: as salas dos principais escritórios de advocacia que defendem as grandes empresas do país. Não importa se a especialização do advogado passa longe dos temas criminais. Para boa parte dos profissionais dedicados a temas do Direito mais ligados ao dia a dia dos negócios, como o civil, empresarial ou tributário, hoje em dia faz parte da rotina perder algum tempo em redes sociais e bancos de dados antes de fechar negócios checando antecedentes e referências de empresários, executivos e funcionários de empresas em vias de serem compradas ou de fornecedores.

Por trás do “levantamento de capivaras” está o risco crescente das empresas serem acusadas de malfeitos cometidos fora de seus portões. O medo decorre da legislação brasileira anticorrupção, sancionada em 2013 e considerada por especialistas tão rígida como a dos Estados Unidos e da Europa, referências no tema. De acordo com essas legislações, a direção de uma empresa pode ser considerada beneficiada por ilícitos cometidos não apenas pelos funcionários como também pela cadeia de fornecedores ou mesmo pela mão de obra de empresas adquiridas.

Desde 2014, quando a Operação Lava-Jato ganhou ritmo e pôs na prisão executivos de algumas das principais empreiteiras brasileiras com base na lei anticorrupção no Brasil, a demanda pelas “capivaras” aumentou nos escritórios de advocacia — onde ela é pomposamente chamada de compliance criminal ou, quando feita antes de uma fusão ou aquisição, de due diligence criminal.

— O Brasil hoje é uma das grandes referências mundiais em compliance criminal — diz o advogado André Castro Carvalho, sócio do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE) e coordenador do Manual do Compliance , livro lançado em dezembro com textos de Advogados brasileiros sobre o tema.

Não há números consolidados sobre a extensão dessa tendência no meio jurídico, mas é possível ter algumas evidências a partir dos investimentos das principais bancas de São Paulo em equipes de compliance . No Machado Meyer, Sendacz Opice Advogados, a equipe dedicada a esse tipo de assunto, que antes da Lava-Jato se resumia a seis Advogados, hoje beira 10% dos 380 profissionais.

— O faturamento desse tipo de serviço dobrou em 2018 (o escritório não revela números de receita). Tivemos o melhor ano na área de compliance na história do escritório — diz Tito Amaral de Andrade, sócio-administrador do Machado meyer, Sendacz opice Advogados. César Amendolara, sócio do escritório paulistano Velloza, lembra que algumas bancas têm optado em contratar escritórios boutiques, especializados em compliance criminal.

—Historicamente, tínhamos as auditorias tributárias e trabalhistas. Depois passamos a ter as auditorias ambientais. Agora, as criminais tornaram-se mandatórias. Elas pegam de uma fintech até um grande conglomerado empresarial— explica Amendolara.

Qual a formação do advogado para “levantar a capivara”? Em essência, ainda não há cursos especializados no país. Mas, na análise das fontes ouvidas pela reportagem do GLOBO, os escândalos de corrupção e o esforço do Ministério Público de transparência nas decisões e publicação de provas facilitaram o aprendizado.

— Os escritórios brasileiros têm hoje servido de inspiração para colegas do direito em diversos países da América Latina, onde as leis anticorrupção também estão endurecendo e as empresas precisam melhorar seus controles —diz José Alexandre Buaiz Neto, sócio do escritório Pinheiro neto. Desde o início da Lava-Jato, o time para lidar com esse tipo de assunto no Pinheiro netotriplicou — hoje são 35 profissionais.

Proteção de dados

Há apenas uma nuvem no verdadeiro céu de brigadeiro para quem trabalha nesse nicho. Em agosto de 2020 deve entrar em vigor no Brasil uma legislação de proteção de dados que, também inspirada no que os europeus vêm fazendo, deve impedir o uso de informações sobre terceiros sem a devida autorização da própria pessoa. Do contrário, as informações não valem como prova nos tribunais. Como é improvável que um corrupto esteja disposto a ser fiscalizado, é de se supor que as bases de dados disponíveis para o “levantamento de capivaras” fiquem mais esvaziadas daqui para frente.

— As restrições vão aumentar e os escritórios precisam encontrar alternativas, uma vez que os clientes vão continuar demandando esse tipo de serviço — diz Shin Jae Kim, sócia responsável pela área de compliance e investigação do TozziniFreire, escritório de São Paulo.

Seguros de fusões e aquisições

A revelação de esquemas de corrupção em grandes companhias brasileiras pela Operação Lava-Jato acendeu o sinal amarelo para investidores interessados em fazer operações de fusões e aquisições no país. Cresceu o temor de que, depois do negócio fechado, possam aparecer os chamados “passivos ocultos”, que gerem prejuízos inesperados para o comprador. Diante desse receio, um tipo de seguro comum no exterior começou também a atrair interessados no Brasil: o seguro de fusões e aquisições.

—Sem dúvida, a Lava-Jato aumentou a demanda por esse produto — disse Flávio Sá, gerente de linhas financeiras da AIG Brasil, única seguradora com apólice para esse tipo de negócio.

Pela engenharia financeira do seguro, se um passivo aparecer depois do negócio fechado, ele é transferido para a seguradora, deixando a empresa livre de qualquer ônus financeiro até que a questão seja solucionada.

Antes de concluir uma fusão ou aquisição, as empresas costumam contratar auditorias para fazer uma análise nos números das duas empresas, a chamada due diligence. Mas essa análise não está livre de falhas, diz Sá.

O Globo
https://oglobo.globo.com/economia/lava-jato-aumenta-faturamento-de-escritorios-de-advocacia-23335451
(Notícia na Íntegra)