Especialistas e agentes do setor elétrico receberam com surpresa e descontentamento a decisão da Justiça do Amapá de afastar por 30 dias as diretorias da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). A leitura é que a medida não só atrapalha a normalização do fornecimento de energia ao Amapá ao "desfalcar" órgãos técnicos, mas também impõe risco à segurança jurídica e operacional do setor.

A cautelar foi dada pelo juiz federal de 1ª instância João Bosco Costa Soares da Silva, sob a justificativa de tentar evitar interferência na apuração das responsabilidades pelo apagão no Amapá. O juiz atendeu a uma ação popular movida pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

A medida inverteu as prioridades relacionadas ao blecaute, na avaliação do Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE), que congrega 26 entidades ligadas ao setor de energia. Para o FASE, a "prioridade zero" deveria ser a de restabelecer as condições normais de suprimento ao Amapá - a investigação deve ser uma ação posterior, defende. "Em benefício do bom funcionamento do setor, o FASE espera que tal situação seja o mais breve possível revertida."


Para associação de agências reguladoras, decisão contra Aneel é `desproporcional`

Advogados do Machado Meyer questionam o mérito da decisão, que fala em "risco patente" de ações por parte desses agentes para dificultar a apuração das causas do apagão. João Reis, sócio de contencioso do escritório, observa que, até então, não há nenhum fato conhecido nesse sentido. "Na ausência de qualquer fato concreto, é uma decisão complicada de se sustentar, e tem um impacto significativo em todo o setor."

Para Ana Karina de Souza, também sócia do Machado Meyer, o episódio pode afetar negativamente a percepção de investidores do setor elétrico. "Foram afastados diretores de dois órgãos técnicos muito respeitados, e sem ouvi-los. O caminho do diálogo é sempre melhor do que soluções radicais, bruscas."

O coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ, Nivalde de Castro, classificou a determinação como "estapafúrdia". "É constrangedor para o país, muito ruim para o setor elétrico e para o leilão de transmissão que acontecerá agora". Castro acredita ainda, pela temeridade da cautelar, que ela será revertida em breve. "Você está tirando das funções quem opera o sistema elétrico nacional, que atende mais de 200 milhões de brasileiros."

Luiz Augusto Barroso, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e presidente da consultoria PSR, afirma que a medida é uma interferência sem precedentes mundiais. "Não ajuda na solução dos problemas e no esclarecimento dos fatos relacionados ao apagão no Amapá, apenas aumenta as interferências no setor, elevando a percepção de seu risco regulatório."


(Valor Econômico Online - 19.11.2020)