O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, em 4 de julho deste ano, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 708 (ADPF 708), uma das ações que compõem a denominada Pauta Verde e trata de litigâncias climáticas, tema de grande destaque na jurisprudência ambiental atual.

A ADPF 708 foi ajuizada em 2020 por diversos partidos políticos sob a alegação de que a União vinha descumprindo as obrigações climáticas e políticas relacionadas ao Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), criado pela Lei 12.114/09 e mencionado na Política Nacional sobre Mudança do Clima instituída pela Lei 12.187/09.

Em julho deste ano, o tribunal pleno[1] do STF, por maioria, com voto contrário apenas do ministro Nunes Marques, julgou procedente a ação para:

  • reconhecer que a União é omissa, já que não realizou a alocação integral dos recursos do Fundo Clima referentes ao ano de 2019;
  • determinar à União que deixe de se omitir em fazer funcionar o Fundo Clima ou em destinar seus recursos; e
  • proibir o contingenciamento das receitas que integram o Fundo Clima, fixando a seguinte tese de julgamento: "O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, par. 2º), bem como do princípio constitucional da separação dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 9º, par. 2º, LRF)".

Em seu voto, o ministro Luiz Roberto Barroso, relator do caso, reconheceu que a União foi omissa na gestão do Fundo Clima, o que configura violação ao direito ao meio ambiente equilibrado e ao cumprimento de compromissos internacionais dos quais o Brasil é signatário. O ministro reconheceu o caráter constitucional das questões envolvendo as mudanças climáticas, com base no art. 225 da Constituição Federal:

“4. Dever constitucional, supralegal e legal da União e dos representantes eleitos, de proteger o meio ambiente e de combater as mudanças climáticas. A questão, portanto, tem natureza jurídica vinculante, não se tratando de livre escolha política. Determinação de que se abstenham de omissões na operacionalização do Fundo Clima e na destinação dos seus recursos. Inteligência dos arts. 225 e 5º, § 2º, da Constituição Federal (CF).

(...)

16. Ao contrário do que alegam a Presidência da República e a Advocacia-Geral da União, a questão pertinente às mudanças climáticas constitui matéria constitucional. Nessa linha, o art. 225, caput e parágrafos, da Constituição estabelece, de forma expressa, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público o poder-dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo, para presentes e futuras gerações. Portanto, a tutela ambiental não se insere em juízo político, de conveniência e oportunidade, do Chefe do Executivo. Trata-se de obrigação a cujo cumprimento está vinculado. Na mesma linha, a Constituição reconhece o caráter supralegal dos tratados internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil faz parte, nos termos do seu art. 5º, § 2º.

17. Na mesma linha, a Constituição reconhece o caráter supralegal dos tratados internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil faz parte, nos termos do seu art. 5º, § 2º. E não há dúvida de que a matéria ambiental se enquadra na hipótese. Como bem lembrado pela representante do PNUMA no Brasil, durante a audiência pública: “Não existem direitos humanos em um planeta morto ou doente” (p. 171). Tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supranacional. Assim, não há uma opção juridicamente válida no sentido de simplesmente omitir-se no combate às mudanças climáticas”.

Conforme mostra a transcrição acima, o voto do ministro Luiz Roberto Barroso atribui ao Acordo de Paris posição hierárquica superior às normas infraconstitucionais, outorgando-lhe caráter constitucional, já que o Acordo de Paris se equipararia aos tratados internacionais sobre direitos humanos. O entendimento está em linha com os termos do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal.

O julgamento é de extrema relevância para o tema da litigância climática, na medida em que consiste em mais um julgado do STF sobre o assunto e dá um importante passo para alavancar as políticas ambientais no país.

Além da ADPF 708, compõem a Pauta Verde as seguintes ações:

  • ADPF 760, ajuizada em 12/11/2020 com o objetivo de retomar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm);
  • Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 54 (ADO 54), ajuizada em 22/8/2019 sob a alegação de omissão inconstitucional do Governo Federal “na tarefa de combater o desmatamento, para atingir o fim de tornar efetivos os artigos 23, incisos VI e VII, e 225, caput e § 1º, incisos VI e VII, da Constituição Federal”;
  • ADPF 651, ajuizada em 10/2/2020 com o objetivo de questionar a constitucionalidade do Decreto Presidencial 10.224/20, "que, a pretexto de regulamentar a Lei 7.797/89 – que cria o Fundo Nacional do Meio Ambiental (FNMA) –, exclui a sociedade civil do conselho deliberativo do FNMA, o que afronta a Constituição Federal em seus preceitos mais basilares";
  • ADPF 735, ajuizada em 1/9/2020 contra o Decreto 10.341/20, em leitura conjunta com a Portaria 1.804/GMMD/20, sob a alegação de incompatibilidade das referidas normas com os preceitos constitucionais, especialmente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Juntas, as duas normas autorizam o uso das Forças Armadas no combate de crimes ambientais, o que prejudica o sistema de proteção ao meio ambiente, na medida em que acarreta e agrava o esvaziamento das funções dos órgãos de proteção ambiental e do próprio Ministério do Meio Ambiente;
  • ADO 59, ajuizada em 5/6/2020 para pleitear o reconhecimento de inconstitucionalidade por omissão da União devido à não disponibilização dos valores já depositados no Fundo Amazônia;
  • Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.148 (ADI 6.148), ajuizada em 30/5/2019 contra a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) 491/18, que dispõe sobre padrões de qualidade do ar, sob a alegação de que a resolução acarreta proteção insuficiente aos direitos à informação, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; e
  • ADI 6.808, ajuizada em 22/4/2021 para requerer a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 6º e 11-A da Lei 11.598/07, com as alterações que lhe foram atribuídas pelo art. 2º da Medida Provisória 1.040/21, sob a alegação de que essa medida provisória inclui na lei previsão pela concessão automática de licença ambiental para empresas de atividades de grau de risco médio, além de impossibilitar a solicitação de informações adicionais pelos órgãos ambientais para o licenciamento dessas empresas.

Embora abordem temas distintos ao da ADPF 708, outras duas ações que compõem a Pauta Verde, mencionadas acima, foram julgadas recentemente pelo STF. A ADI 6.148 foi julgada improcedente em 5 de maio deste ano, para declarar a constitucionalidade da Resolução Conama 491/18, mas determinou-se ao Conama editar, no prazo de dois anos, uma nova resolução sobre a matéria, abarcando as seguintes questões:

  • as atuais orientações da Organização Mundial da Saúde sobre os padrões adequados da qualidade do ar;
  • a realidade nacional e as peculiaridades locais; e
  • os primados da livre iniciativa, do desenvolvimento social, da redução da pobreza e da promoção da saúde pública.

Já a ADI 6.808 foi julgada parcialmente procedente em 28 de abril deste ano, para determinar a exclusão da aplicação dos artigos 6º e 11-A da Lei 11.598/07 às licenças em matéria ambiental. Os dispositivos legais mencionados, entretanto, não foram considerados inconstitucionais.

 


[1]    O STF é composto por 11 ministros, sendo que o tribunal pleno, ou plenário é formado pelos 11 ministros e presidido pelo presidente do tribunal. Cabe ao plenário julgar a inconstitucionalidade ou constitucionalidade das leis, com quórum mínimo para votação de matéria constitucional de oito ministros (art. 143, § único do regimento interno do STF).