Desde que instituído pela Lei nº 9.249/95, é prática recorrente entre as pessoas jurídicas tributadas pelo regime do lucro real, o pagamento de juros sobre o capital próprio (‘JCP’) com o objetivo de remunerar seus acionistas. Isto decorre, em grande parte, do benefício fiscal concedido pela referida lei - que faculta a estas empresas a dedução dos valores pagos a este título de sua base de cálculo tributável, até o limite da aplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) sobre o valor do patrimô- nio líquido da empresa.

Desta forma, os JCP assumem, ao menos do ponto de vista tributário, natureza de verdadeira despesa financeira (Art. 29, §3º, da Instrução Normativa da SRF nº 11/96). Por outro lado, do ponto de vista societário, permitiu-se também que as sociedades anônimas, adeptas desta prática deduzissem os valores pagos referente a JCP do montante mínimo a ser distribuído aos seus acionistas, à título dos dividendos obrigatórios de que trata o art. 202 da Lei 6.404/76. Em razão desta possibilidade de imputar o valor dos JCP pagos ao valor dos dividendos, conforme previsto no §7º da Lei nº 9.249/95, é possível interpretar que os JCP possuem natureza de “distribuição de resultados”, embora haja entendimentos doutrinários divergentes sobre a natureza jurídica deles.

É neste sentido, inclusive, que se inclina o art. 9º, §1º da Lei nº 9.249/95, ao condicionar o pagamento dos JCP à existência de lucros ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos. Diante das diversas consequências advindas desta natureza de distribuição de resultados, uma em particular merece atenção.

Trata-se da prioridade ao recebimento dos JCP das ações preferenciais, que contam com prioridade no recebimento de dividendos. Considerando que os JCP possuem a mesma função remuneratória dos dividendos, não há sentido em privar as ações preferenciais da prioridade sobre a distribuição dos JCP, simplesmente pela forma escolhida pela companhia, no momento da distribuição. Isto porque a diferença de tratamento tributário atribuído às duas espécies não as distancia em suas naturezas e finalidades, que, em última análise, se destinam a remunerar os acionistas com os lucros da empresa na qual investiu seus recursos.

Pensar diferente significa conferir aos acionistas ordinaristas, dotados do poder de voto, meios de burlar os direitos dos acionistas preferencialistas, optando por um meio de distribuição de resultados em detrimento de outro. Coerentemente, o colegiado da CVM decidiu em sede de recurso apresentado pela Marcopolo S.A. contra a decisão da Superintendência de Relações com Empresas (SEP) no processo de nº 99/0090, que a Marcopolo deveria estender às ações preferenciais a prioridade para o recebimento, não só de dividendos como também de JCP.

Por estes argumentos, conclui-se que constitui prática ilegal e antiestatutária, capaz de resultar, inclusive, em responsabilidade pessoal dos administradores da companhia, a distribuição de JCP sem observância da prioridade à que fazem jus as ações preferenciais, quando o estatuto social da companhia atribui a estas ações, prioridade no recebimento de dividendos.