O ano passado foi especial para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O período começou com acaloradas discussões (e muitas ações judiciais) questionando o bônus de produtividade dos auditores fiscais1 e terminou com a adesão dos conselheiros representantes da Fazenda Nacional à greve pela regulamentação do bônus.

E 2018 começou igualmente conturbado. As primeiras sessões das turmas ordinárias e da Câmara Superior de Recursos Fiscais foram marcadas por pautas extensas e não cumpridas, seja pelo cancelamento das reuniões em razão da greve, seja pela impossibilidade de julgamento dos casos por falta de tempo.

Problemas administrativos à parte, a importância desse órgão administrativo de julgamento é inconteste. Com um Judiciário cada vez mais assoberbado e moroso, ter uma solução rápida e técnica – e menos onerosa (sem custas judiciais e eventual condenação de honorários) – é um alento para os contribuintes.

Na prática, entretanto, o percurso pela via administrativa não está livre dos seus próprios espinhos. Há limitações nos julgamentos feitos pelas instâncias administrativas, que não podem se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de normas. Além disso, a retomada das atividades do Carf em 2015, após a deflagração da operação Zelotes, foi sentida com o endurecimento das decisões e um aumento nas vitórias do fisco.

Os números de 2016 divulgados pelo órgão2 apontam que, em termos absolutos, o contribuinte saiu vitorioso em 52% das demandas, enquanto a Fazenda Nacional foi vencedora em 48%, índice apenas levemente inferior3. O Carf não divulgou ainda os números de 2017 (o relatório anual deve ser publicado em breve), mas se mantiver a mesma metodologia para aferir os números, a proporção não deve variar muito.

A análise dessa forma de cálculo, no entanto, exige atenção. Ela leva em conta o total de recursos voluntários e especiais julgados, sem ponderar que uma eventual vitória do contribuinte na turma ordinária, se reformada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, representa o insucesso da demanda na esfera administrativa como um todo, isto é, o percentual não toma como base o resultado final do processo e sim o número de decisões proferidas, inclusive aquelas reformadas.

Além disso, quando analisamos o percentual de vitórias nos grandes casos e nas teses tributárias mais complexas que envolvem valores expressivos, o insucesso do contribuinte parece mais evidente. Ao longo de 2017, a Fazenda Nacional teve êxito em praticamente todas as discussões envolvendo a aplicação da legislação de preço de transferência em casos de amortização de ágio. O mesmo ocorreu na interpretação da Lei nº 10.101/00 para fins de caracterização de pagamentos a empregados como Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e em diversos casos sobre a apuração da base de cálculo do PIS e Cofins, apenas para citar alguns temas.

As vitórias relevantes dos contribuintes não foram tão numerosas. Entre os julgamentos do ano, merecem destaque dois processos que versaram sobre um tema inédito na 1ª Turma da CSRF (responsável pela análise de processos envolvendo IRPJ e CSLL, entre outros) – a dedutibilidade, para fins de IRPJ e CSLL, da despesa com pagamento de PLR, quando há acusação de descumprimento dos requisitos da Lei nº 10.101/2000, e a consequente descaracterização de tais valores como participação nos lucros. Por motivos distintos, os dois processos que trataram do tema culminaram em resultado favorável ao contribuinte e no cancelamento da autuação.

Já a 2ª Turma da CSRF (competente para analisar matérias decorrentes da incidência de contribuição previdenciária, entre outros temas) determinou o cancelamento da autuação de empresas que concediam planos de previdência privada apenas para parte dos empregados e dirigentes. Entendeu-se, por unanimidade de votos, que a Lei Complementar nº 109/01 afastou os requisitos previstos na Lei nº 8.212/91 (que exigia a oferta do plano de previdência à totalidade dos empregados e dirigentes para que não houvesse incidência de contribuição previdenciária) e, assim, descaracterizou o fundamento suscitado pela fiscalização.

Ainda em 2017, a 3ª Turma da CSRF (responsável pelos julgamentos envolvendo questões das contribuições ao PIS e Cofins, entre outros) consolidou seu entendimento favorável ao contribuinte sobre a possibilidade de apropriação do crédito de PIS e Cofins sobre o frete pago na transferência de produtos acabados entre estabelecimentos de mesmo titular.

Mesmo com tímidas vitórias para os contribuintes, o Carf é um órgão de referência em matéria tributária. As decisões proferidas pelas 15 turmas ordinárias do órgãos e pelas três turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais – e, mais recentemente, pelas turmas extraordinárias4 – são de inegável importância para o exame da legislação fiscal federal.

O tribunal continua sendo palco de importantes debates envolvendo questões de grande complexidade fática e valores elevados. Considerando a possível mudança de composição das turmas julgadoras, pode-se supor que os contribuintes alcancem resultados diferentes na discussão de temas em relação aos quais hoje não têm êxito. Alguns mandatos de conselheiros estão prestes a terminar e há diversos cargos vagos à espera da designação de um conselheiro titular. O Carf conta com 146 conselheiros titulares, sendo 120 nas turmas ordinárias e 26 nas turmas da CSRF. Hoje, existem oito cargos vagos nas turmas ordinárias e outros quatro nas turmas da CSRF.

Em 2018, aguarda-se que a efetiva regulamentação, ou não, do bônus de produtividade ponha fim à greve que afetou o órgão, para que seja retomada a integralidade dos julgamentos, com a perspectiva de importantes debates e concretizações de vitórias.


1. Instituído inicialmente pela Medida Provisória 765, de 29 de dezembro de 2016, convertida na Lei nº 13.464, de 10 de julho de 2017.
2. Relatório de decisões do CARF – janeiro a dezembro de 2016, divulgado do site: http://idg.carf.fazenda.gov.br/noticias/2017/carf-divulga-relatorio-das-decisoes-proferidas-de-janeiro-a-dezembro-de-2016
3. Tabela 1 - Recursos julgados por recorrente e resultado do recurso- divulgado do site: http://idg.carf.fazenda.gov.br/noticias/2017/relatorio-julgamento-2016-v3.pdf
4. As turmas extraordinárias são responsáveis pelo julgamento de processos que envolvem até 60 salários mínimos.