Escrever é a arte de cortar palavras, já dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade. Essa máxima, no entanto, não é respeitada pela maioria dos advogados e magistrados brasileiros. Textos rebuscados, com citação de termos em latim e inglês, prolixos e redundantes são facilmente encontrados numa busca rápida pelos sites dos tribunais. Os advogados garantem que o juridiquês, termo usado para a linguagem jurídica, está com os dias contados. Enquanto isso não ocorre, leigos e até advogados recorrem ao velho e bom dicionário para decifrar o que os colegas escreveram.
O advogado Leonardo Morato, do Veirano Advogados, que o diga. Mesmo exercendo a profissão há mais de dez anos, ele afirma que tem dificuldade em entender alguns textos, principalmente os que têm expressões em latim. "Como não estudei a língua (latina) na faculdade, muitas vezes tenho que recorrer ao dicionário", diz. A advogada Gisele de Lourdes Friso, do G. Friso Consultoria Jurídica, formada há dez anos, não teve latim na faculdade. Hoje, ela diz que somente em algumas palavras precisa buscar o dicionário, mas reconhece a dificuldade. "Há muito tempo não tem aula de latim nas faculdades."
Morato diz acreditar que tanto as expressões em latim quanto a linguagem mais rebuscada estão caindo em desuso. Mas reconhece que ainda há resistência. "Um termo bastante usado é o 'exception noum adimpleti contractus', que significa contrato não cumprido. Às vezes até é bom usar essas expressões, mas tentamos evitar."
Para juízes, a simplificação dos textos pode representar mais agilidade na análise do caso e, conseqüentemente, uma decisão mais rápida. "Quanto mais claro e conciso forem os textos, o resultado de um julgamento, por exemplo, será mais ágil e fácil", constata o juiz Fernando Mattos, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). Ele afirma que os textos jurídicos estão evoluindo. "Principalmente em juizados especiais vemos linguagens mais concisas."
O advogado Marco Antônio Bevilaqua, do Demarest & Almeida, concorda. "Imagina usar a expressão em latim 'nemo venire contra factum proprium' (ninguém pode pleitear em Juízo contra os próprios atos), acho muito difícil alguém saber o que significa, a tradução deixa mais simples."
Simplificação
"Há uma tendência em simplificar e tornar os textos jurídicos mais claros", diz Bevilaqua. Para ele, a narração feita em petições (material entregue a juízes) está mudando para agilizar o trabalho dos magistrados. "Tudo é uma questão de tempo. As decisões têm que ser tomadas de forma mais rápida. E se o texto for simples, facilita o julgamento, por exemplo."
"O advogado precisa saber usar períodos (frases) mais curtos", comenta o advogado Leonardo Corrêa, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice. "Normalmente, quando escrevemos algum texto mostramos para os nossos estagiários do primeiro ano para ver se eles entendem", explica Corrêa. "A utilização (de termos em latim) é mais uma questão de tradição, não sendo uma necessidade", diz.
Já o advogado Rodrigo M. Carneiro de Oliveira, do Pinheiro Neto, diz que alguns termos são necessários porque são ricos em conteúdo. "Como o texto tem que ser mais curto e direto, há expressões propícias direcionadas somente a magistrados. O erro mais comum, na verdade, é não haver uma adequação conforme o público", diz.
Treinamento
Treinar, periodicamente, os seus profissionais foi a saída encontrada por muitos escritórios para evitar o uso do juridiquês. Além de facilitar o julgamento, os próprios clientes (cada vez mais exigentes e com mais alternativa de bons profissionais no mercado) fizeram os advogados mudarem a postura e escrever de forma clara e objetiva.
O Demarest & Almeida, por exemplo, treina periodicamente seus advogados com palestras sobre o uso do português jurídico (termos técnicos) e informações repassadas, por meio de memorando, sobre técnicas de narrativas. No Machado, Meyer a linguagem didática é treinada já com os estagiários.
Para garantir uma linguagem mais simples e objetiva, o TozziniFreire tem uma diretoria técnica e contrata especialistas em linguagem para instruir seus advogados. Mas o sócio da banca, Fernando Serec, reconhece que ainda usa termos em latim. "O uso de expressões em latim podem simplificar petições, por exemplo." O presidente da Ajufe discorda. Para ele, não há necessidade de expressões em latim ou inglês (outro modismo adotado pelos advogados). "Não é verdade que o uso simplifica o texto ou a fala. É importante saber desde a faculdade, mas a tradução para o português é suficiente", finaliza Mattos.
A culpa (pela linguagem rebuscada) é do estagiário
Os estagiários são os principais culpados pela linguagem rebuscada e o uso dos termos jurídicos nos escritórios de advocacia. É isso que diz a maioria dos advogados. Para eles, recém-formados e estagiários precisam ser instruídos a escrever de forma mais clara. "Quando eles saem da faculdade, muitas vezes nunca leram um Machado de Assis, só livros técnicos do jurídico. É por isso que escrevem de forma menos compreensível para as demais pessoas”, diz o advogado Leonardo Corrêa, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice. "Os mais jovens escrevem textos mais rebuscados achando que isso é certo, mas não é necessário", Rodrigo M. Carneiro de Oliveira, do Pinheiro Neto. Para o advogado Fernando Serec, do TozziniFreire, os estagiários saem da faculdade com o uso de termos jurídicos e uma linguagem rebuscada.
"Acredito que quando começam a trabalhar usam muito termos técnicos como um porto-seguro para mostrarem que têm conhecimento, mas falamos para eles agirem justamente de forma contrária", explica o professor e advogado da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Alexis Couto de Brito. A universidade possui aulas de latim e de técnica de redação. "Ensinamos o conhecimento das técnicas. Eles precisam saber quando aparecer alguma no dia-a-dia dele, mas sempre dizemos para ter um estilo próprio", conta.
"Eu sei da necessidade de ser o mais claro possível. Muitas vezes, tive que usar um dicionário para entender uma expressão. Principalmente em textos de pessoas cultas como desembargadores, a linguagem é bem rebuscada", analisa o professor.
A Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), também instrui seus alunos a escrever textos de forma mais simples. "O objetivo é deixar claro que quanto mais conciso o texto for, melhor é", afirma a professora de redação jurídica da PUC, Maria Tereza Rego da França. No caso da PUC não há aulas de latim. "Sabemos que existem várias expressões a serem usadas e que não dá para dispensar, mas textos concisos, estes sim são necessários", conclui Maria Tereza.
(Gazeta Mercantil 16.09.2008/Caderno A - Pág. 10)(Fernanda Bompan)
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