Com investimentos em projetos de energia que podem alcançar quase R$ 54 bilhões no biênio 2018-2019, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) precisou adaptar as condições e prazos de suas linhas para compensar os custos maiores dos financiamentos derivados da substituição da taxa básica dos contratos. O objetivo foi preservar sua missão de continuar a ser o principal financiador de longo prazo do desenvolvimento brasileiro.

A troca da 13LP -- taxa de longo prazo que embutia um imbatível subsídio e naturalizava o monopólio do banco de fomento estatal nos empréstimos à infraestrutura - pela TLP, taxa que aproxima o custo das concessões oficiais aos juros cobrados pelas instituições alternativas, desencadeou importantes alterações destinadas a melhorar outros aspectos dos financiamentos.

Em março, a direção do banco anunciou mudanças em sua política operacional destinadas a preservar a atratividade das operações. Os spreads recuaram de 1,7% para 0,9% nos projetos de energia solar. E baixaram para 1,3% nas liberações para hidrelétricas, térmicas a gás e plantas eólicas e de resíduos sólidos. Os prazos máximos para amortização dos financiamentos de energias alternativas subiram de 18 para 24 anos. O banco financia agora até 80% do custo total dos empreendimentos, em comparação a 50% até o ano passado. As usinas térmicas movidas a óleo combustível continuam a não merecer aportes da instituição. "A adaptação dos contratos à nova realidade foi uma decorrência natural", diz a diretora de infraestrutura do BNDES, Marilene Ramos.

Energia foi o único segmento dentro da área de infraestrutura que não sofreu os impactos negativos da recessão econômica instaurada em 2015. No global, a No global, a infraestrutura só registrou expansão graças às liberações feitas para as plantas energéticas. As contratações relativas à infraestrutura subiram de R$ 15,16 bilhões em 2016 para R$ 19,45 bilhões no ano passado, expansão de 26%, enquanto os desembolsos evoluíram 13%, de R$ 17,54 bilhões em 2016 para R$ 19,83 bilhões em 2017. A alta foi puxada pelos projetos de energia, cujas contratações saltaram 52% e os desembolsos 69%.

Para Marilene, não cabe a ideia de que o BNDES melhorou spreads e prazos porque estava sob risco de perder competitividade em relação ao mercado privado ou a organismos multilaterais. "Pelo contrário, sempre incentivamos o crescimento da participação de outras fontes de financiamento. O importante é que os projetos não tenham falta de funding."

Esta relevância levou o banco a construir, no fim de março, uma nova modelagem de financiamento para projetos que não encontram demanda nos leilões públicos de energia. De acordo com a superintendente do setor de energia do BNDES, Carla Primavera, para enfrentar o descompasso entre a oferta aquecida do lado dos investidores interessados em implantar novos projetos e a demanda reprimida por parte das distribuidoras, o banco resolveu estender as linhas, além do mercado regulado, também para o ambiente livre de negociação e para o curto prazo.

As mudanças introduzidas pelo banco estatal comprovam o fato de que o mercado de financiamento de projetos de energia atravessa um momento de transição, avalia Fernando Faria, sócio da KPMG. "Como as políticas de concessão de subsídios já não são mais admitidas corno corretas, será saudável para financiadores e tomadores que o papel antes hegemônico do BNDES seja gradualmente reduzido e o mercado possa ter uma relevância crescente", diz.

A atual estabilidade macroeconômica, ao combinar inflação baixa e juros básicos em queda, age para aumentar a atratividade das linhas privadas comparativamente às da instituição federal. "O subsídio anterior afastava players potencialmente candidatos a financiar obras de energia. Estão, agora, retornando ao mercado", diz o consultor. "Haverá um equilíbrio entre fontes oficiais e privados, mas trata-se de um processo demorado."

Há várias fontes capazes de exercer uma função complementar ou até substitutiva do BNDES. Os bancos privados, nacionais e internacionais, ensaiam elevar seus riscos em projetos de longa maturação. Pelo lado externo, o exemplo do KSW, instituição mista alemã especializada em financiamentos à infraestrutura, pode ser seguido. Por força da diminuição do poder de sedução nominal dos títulos públicos atrelados à Selic, as debêntures de infraestrutura tendem a ser mais demandadas.

A estabilidade econômica favorece também a presença de organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). "Os fundos de dívida americanos e europeus já estudam com mais carinho sua participação em projetos locais."

O mercado vê com bons olhos a redução da relevância do BNDES porque sempre causou estranheza a imposição pelo banco de exigências tidas como exóticas no mercado global, tais como a de que a totalidade da dívida contraída seja garantida por uma fiança bancária. "Se a avaliação for bem-feita, a confiança na robustez do projeto dispensa o recurso a tais garantias", diz Farias.

A principal fonte de financiamento, tanto para as tradicionais hidrelétricas e térmicas a gás natural quanto para as energias renováveis vindas de plantas eólicas, solar ou biomassa, sempre foi o BNDES. Como vem crescendo o interesse estrangeiro em participar diretamente de projetos de médio e grande portes, surgiram competidores externos importantes às linhas do BNDES.

FINANCIAMENTO

Investidores chineses e europeus, por exemplo, têm condições de montar uma estrutura de capital diversificada capaz de libertá-los das regras do banco brasileiro, sobretudo em relação às exigências de conteúdo local. "As empresas europeias conseguem aglutinar um mix de fontes de financiamento a custos favoráveis e sem temer o risco cambial. Como seu capital se lastreia em moeda estrangeira, a operação dispensa o oneroso hedge cambial", observa Thals Prandini, diretora executiva da consultoria Thymos Energia.

Alberto Faro, sócio do escritório Machado Meyer, observa que, além do BNDES, há mais três sólidas fontes de financiamento ao setor. O BNB vem oferecendo capitais a custos e prazos muito competitivos em relação ao BNDES. O mercado de capitais consolidou sua presença por meio das debêntures de infraestrutura, papéis incentivados que podem compor o funding do projeto de uma nova planta. Em terceiro lugar, há os créditos fornecidos por agências multilaterais, como o BID e o IFC. A forte presença das empresas estrangeiras introduz o elemento de participação de investidores. Muitas vezes o investidor externo prefere usar em projetos de longo prazo aquele capital próprio que não encontra remuneração conveniente nos mercados financeiros globais.
Para o responsável pela área de project finance do Santander, Edson Nobuo Ogawa, a demanda ainda fraca por novos projetos de energia reflete a pesada recessão econômica de 2015 e 2016. A demanda desaquecida e a entrada no mercado de novos competidores forçaram o BNDES a melhorar as condições de financiamento. "Dependendo do projeto, faz sentido não recorrer em alguns aspectos ao financiamento do BNDES", diz Ogawa.

Em outros casos, não há opção. Nas usinas térmicas, as turbinas são todas importadas, e o banco só financia componentes de fabricação nacional. A sua ausência é suprida pelas concessões das agências de exportação dos países de origem. Embora não façam financiamentos de longo prazo, os bancos comerciais atuam nos seguros originários das operações com instituições multilaterais e estruturam o funding de curto prazo.

A expectativa geral é de ampliação da relevância das debêntures de infraestrutura. Hoje, segundo Ogawa, elas podem contribuir com volumes de até R$ 300 milhões para o funding total de um projeto orçado muitas vezes em R$ 2 bilhões. O crescimento da demanda por esses títulos, aponta estudo elaborado pelo Instituto Acende Brasil, depende do florescimento de um mercado secundário capaz de assegurar liquidez aos participantes.

Valor Setorial
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