Com a evolução dos entendimentos judiciais sobre a caracterização da responsabilidade civil e, por conseguinte, da obrigação de indenizar, muito se tem discutido sobre a responsabilização do agente financiador de empreendimentos imobiliários por fatos diretamente relacionados ao imóvel e à sua implantação e/ou construção. Essa discussão tem especial relevância porque, não raras vezes, embora não tenha ingerência na construção ou aquisição do terreno onde determinado empreendimento foi ou será implantado, o agente financiador é demandado em ações de reparação de danos para ser responsabilizado de forma solidária com o empreendedor.
O tema foi recentemente tratado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no âmbito do Recurso Especial (Resp) nº 1.479.897. No caso em questão, a loteadora e o banco financiador foram demandados a pagar danos materiais e morais aos proprietários prejudicados pela venda de glebas oriundas de terreno adquirido por meio de escritura pública nula.
No tribunal de origem, o banco financiador havia sido considerado solidariamente responsável pelos danos sofridos pelos proprietários preteridos em seu direito; entretanto, o STJ reformou a decisão apoiando-se na presunção de validade dos atos públicos, enquanto não declarados nulos, entendendo que o banco não poderia ser responsabilizado por ato de que não participou e cuja nulidade não lhe fora comprovada. Importante notar que um dos autores da ação havia comunicado o banco sobre a possível nulidade do título aquisitivo do terreno, mas esse argumento foi afastado porque, com base no direito aplicável à época dos fatos, a mera informação não seria suficiente para comprovar a nulidade do ato. A decisão é datada de 2 de outubro de 2018 e foi tomada por unanimidade da turma de magistrados.
O fato de o banco ter sido comunicado sobre o possível ato ilícito somente pôde ser afastado pela decisão do STJ com base no direito vigente à época da primeira declaração judicial de nulidade da escritura, em 1989. Além disso, o voto do relator parece indicar de forma superficial que esse argumento poderia não ter sido igualmente afastado para gerar a responsabilidade solidária do banco caso o direito vigente hoje tivesse sido aplicado.
Isso porque, de acordo com a decisão em análise, o direito vigente à época dos fatos admitia a responsabilização civil apenas mediante comprovação de existência de ato ilícito e, nesse caso, o banco não estaria violando nenhuma norma de direito, uma vez que não havia declaração judicial da nulidade da escritura. Em sentido contrário, o acórdão esclarece que o direito passou por uma transformação e adaptação conceitual, a fim de permitir a responsabilização daquele que viola o dever geral de precaução e daquele que obtém proveito de atividade ilícita.
Ainda assim, no caso da aplicação do direito vigente, caberia ao órgão julgador avaliar o nexo de causalidade para a responsabilização do agente financiador que, mesmo sem ter praticado o ato ilícito diretamente, sabia da possibilidade da nulidade da escritura e não tomou nenhuma providência para evitar o aumento dos danos aos proprietários afetados. É justamente nesse ponto que o agente financiador de empreendimentos imobiliários pode ser exposto a uma vulnerabilidade jurídica, uma vez que, no direito contemporâneo, não há mais um limite estritamente objetivo à responsabilização civil, como, por exemplo, a determinação da prática de um ato ilícito.
A adoção dessa concepção deve ser levada em conta para que o agente financiador atue com mais precaução e conservadorismo, avaliando criteriosamente eventual extensão de responsabilidade civil decorrente do ativo ou da atividade financiada.