O mercado de infraestrutura passou o dia de ontem extremamente alarmado pela decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, de devolver ao município do Rio de Janeiro a concessão da Linha Amarela, operada pela Invepar. A sentença de quarta-feira foi classificada como "preocupante e mal redigida", segundo advogados e representantes do setor consultados.

A maior preocupação é quanto à insegurança jurídica gerada pela medida, o que prejudica não apenas a Invepar, mas todos os setores que operam por meio de concessões no país, principalmente os de infraestrutura.

"O impacto é muito ruim, inclusive para os novos projetos. Quando um ato violento como esse é consolidado por uma corte superior da Justiça, cria-se uma desconfiança de que o país não cumpre contratos. É algo que repercute inclusive com investidores internacionais", afirma Cesar Borges, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR).

O imbróglio no Rio de Janeiro começou em outubro do ano passado, quando o prefeito, Marcelo Crivella, decidiu romper o contrato com a concessionária Linha Amarela (Lamsa) e chegou a destruir praças de pedágio com retoescavadeiras. Após o episódio, deu-se início a uma disputa judicial, na qual a Invepar conseguiu diversas liminares garantindo o direito a manter a operação. Com a decisão do STJ, porém, essas liminares perderam efeito.

O problema, neste caso, é que a encampação do contrato - ou seja, seu rompimento unilateral - foi feito sem a indenização prévia à companhia, conforme determina a lei de concessões.

A iniciativa não é novidade no setor. Em 2003, o então governador do Paraná Roberto Requião também tentou extinguir concessões de rodovias no Estado. "O Crivella está copiando a tática. Só que, no caso do Paraná, a Justiça combateu a tentativa. Desde então, foi se construindo um entendimento na Justiça de respeito aos contratos", afirma Lucas Sant`Anna, sócio do Machado Meyer Advogados.


"O que assusta, neste caso, foi o fato de ser uma decisão monocrática, bastante sucinta para a complexidade do caso", diz ele.

A avaliação é que a decisão é mal feita e se pauta em premissas que não são concretas, afirma outro advogado do setor, que falou sob condição de anonimato. Em determinado momento da decisão, Martins diz que há "indícios de que obras foram superfaturadas" e que mudanças na equação financeira do contrato "provavelmente" causaram o valor oneroso do preço do pedágio.

"Se um dos meus alunos escrevesse essa decisão, eu reprovaria", diz o advogado, que dá aulas em uma universidade.

Nos bastidores, o comentário é que a decisão decorre de um alinhamento político entre Crivella e o ministro Humberto Martins, que é evangélico.

Para Letícia Queiroz, sócia do Queiroz Maluf Advogados, a própria forma escolhida pela prefeitura para extinguir o contrato, a encampação, já é problemática e onerosa aos cofres públicos.

"A encampação pressupõe que o fim do contrato foi uma decisão do poder público e que o concessionário não tem culpa. Se tivesse, a forma correta para anular a concessão seria por meio de uma caducidade, na qual a indenização a ser paga à empresa é menor", afirma.

A decisão monocrática do ministro do STJ também pode gerar prejuízo aos cofres públicos, caso a deliberação seja revertida posteriormente, diz Bruno Aurélio, sócio do Demarest. "Se no futuro houver uma decisão contrária à encampação, a concessionária também terá direito a um reequilíbrio contratual ou uma indenização, o que sai do bolso do contribuinte", afirma.

Para os analistas, não existe hoje no país uma concessão em situação semelhante à Lamsa. "Claro que há outras operações com dificuldades, empresas que têm divergências com a agência reguladora, mas nada que chegue perto desse nível", diz Aurélio.

"O termo 'encampação' até caiu em desuso nos últimos anos, porque deixou de ser usado. Os governos seguem usando outras formas de encerrar concessões, houve casos de caducidade decretada, criou-se a figura da devolução amigável, mas sempre dentro de um processo legal", afirma Borges, da ABCR.


Jornalista: HIRATA, Taís

(Valor Econômico - 18.09.2020, p. B2)